sexta-feira, 31 de janeiro de 2014

Crônicas de Uma Criatura de Vidro

Minha visão está embaciada. Por que essas almas dançam tanto? Água, é apenas água sobre os meus olhos vítreos. Formando gotículas de suor, que se juntam em gotas maiores, pesadas demais para resistirem à atração que segura todas as coisas. Elas escorrem formando rios em miniatura, umidificando levemente o solo que me rodeia. Esse solo que me rodeia e que nos permeia, é um solo elevado, é de madeira.

Estou tentando entender o motivo de estarem me alçando e me devolvendo ao solo continuamente, repetidamente. Um som ao fundo se distingue entre tantos murmúrios, entre tantas lamentações dessas distintas almas. Um som que é produzido por cordas.

Passam a mão continuamente sobre os meus olhos vítreos. Passo de mão em mão, sou alçado e devolvido. A água escorre um pouco mais, já quase consigo enxergar. O som continua e as almas dançam. O torpor alcoólico toma conta do ambiente, está impregnado ao próprio ar, o teto sua, as almas dançam.

É tudo tão belo. Quando me alçam, consigo enxergar mais longe, parece que o mundo acaba naquela sacada. Mas não, tem uma rua, não sei o que existe lá, só sei que quase não há mais água. Minha visão já não é mais embaciada, e vejo que as almas que dançam possuem corpos. Me pergunto se não seria o contrário: as almas que têm os corpos, ou os corpos que têm as almas?

As lamúrias são sons um pouco mais distintos, com menos água posso também ouvir melhor, o som se propaga mais facilmente através de meu corpo vítreo. As cordas ressoam no ar, nesse mesmo ar impregnado. Os corpos dançam e eu já não tenho mais água alguma escorrendo pelo meu corpo vítreo. Me sinto deveras mais leve.

Alçam-me uma última vez, e me devolvem vazio ao balcão do bar.

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