terça-feira, 6 de dezembro de 2016

Café com Leite

A inocência nossa de cada dia, tomada no café da manhã. Houve um tempo em que observamos as andorinhas com extrema sabedoria, entusiastas da ornitologia amadora. Elas vinham pelo início do verão, aves migratórias, quem disse, voam para o sul, pensando na volta ao norte. Elas cagavam pela praça inteira, mas quem liga, voavam baixinho, quase acertando as nossas caras. Mas ornitologávamos, tomando um sorvete, falando com as andorinhas.

Nunca gostei da palavra amador(a). Amador(a) parece adjetivo para quem ama, porém carregado de um significado negativo. Amar é positivo, e pólos opostos se atraem. A ciência do magnetismo sempre falhou ao explicar o amor. Quem disse que os opostos se atraem estava no ramo do conhecimento errado. Que aprenda a construir bússolas imantando agulhas que boiam enfiadas em rolhas de garrafa de vinho. É tudo o que esses magnetistas amadores que não sabem amar podem fazer.

Somos rochas metamórficas, eu disse, alguém contestou, somos ígneas. Ninguém é sedimentar. Estamos sempre começando, mudando e começando de novo. Agora estamos marcados em nós mesmos. Para sempre. A primeira é branca, como dizem as brincadeiras de criança. Saudosa infância, quando amar e metamorfosear era mais fácil. Que o digam as andorinhas.

Café com leite já foi sinônimo de inocência. O yin yang da gastronomia. Da inocência nossa de cada dia, tomada no café da manhã. Café com leite está em tudo. Já foi adjetivo-substantivo geopolítico, versava sobre a concentração do poder social e econômico. Injusta a associação com o amadorismo, com a inocência. Injusta a depreciação, associação negativa.

Café com leite é positivo. Diferente do magnetismo, café com leite atrai quem ama. Atrai quem voa. Atrai quem rocha. Somos rochas metamórficas, eu e minhas rochas marcadas em mim, marcados juntos com animais antropomórficos. E um humano. E voamos como as andorinhas, voamos rochas. Sou café com leite, e isso nada tem a ver com inocência.