Ossos precisam ser quebrados de tempos em tempos, para que os calos criados no local de seu rompimento se calcifiquem melhor e se fortaleçam. É uma necessidade da vida, precisamos adoecer, a forte gripe que temos no começo do inverno nos fortalece para os vindouros meses de frio. É necessidade costumaz também que nos cortemos, nossas cicatrizes endurecem e criam uma couraça em pele outrora tão fina.
Por outro lado, por vezes, é necessário também abandonar as cicatrizes, deixá-las para trás. Precisamos nos despir de antigas companheiras que há tanto tempo nos acompanham, que já se tornaram marcas quase indeléveis. É preciso cortar novos cortes. Quebrar novos ossos. Desenvolver imunidades diferentes a doenças indiferentes.
E é inevitável comparar experiências, então olhamos para trás, e para frente ao mesmo tempo. E dizemos que ano passado foi assim. Oras, queremos saber do agora, esperamos sempre que a nossa experiência atual tenha mais a nos ensinar do que a anterior. Ano passado era assim, esse ano também é, só que é outro assim, quem sabe se um melhor.
Para isso mesmo devemos quebrar antigas correntes. Mesmo que sejam correntes maravilhosas. Que sejam ligações sempre desejadas. Elas precisam ser deixadas para trás. As coisas seguem um fluxo constante, os ossos fatalmente se calcificam, mesmo sem gesso algum. Precisamos das novas doenças, e das novas brigas. E podemos sim acumulá-las contiguamente às anteriores, mas as vezes, talvez só as vezes, é preciso abandonar tudo o que havia para trás. E buscar novas cicatrizes.