segunda-feira, 30 de março de 2015

Breaking Old Bonds


Ossos precisam ser quebrados de tempos em tempos, para que os calos criados no local de seu rompimento se calcifiquem melhor e se fortaleçam. É uma necessidade da vida, precisamos adoecer, a forte gripe que temos no começo do inverno nos fortalece para os vindouros meses de frio. É necessidade costumaz também que nos cortemos, nossas cicatrizes endurecem e criam uma couraça em pele outrora tão fina.

Por outro lado, por vezes, é necessário também abandonar as cicatrizes, deixá-las para trás. Precisamos nos despir de antigas companheiras que há tanto tempo nos acompanham, que já se tornaram marcas quase indeléveis. É preciso cortar novos cortes. Quebrar novos ossos. Desenvolver imunidades diferentes a doenças indiferentes.

E é inevitável comparar experiências, então olhamos para trás, e para frente ao mesmo tempo. E dizemos que ano passado foi assim. Oras, queremos saber do agora, esperamos sempre que a nossa experiência atual tenha mais a nos ensinar do que a anterior. Ano passado era assim, esse ano também é, só que é outro assim, quem sabe se um melhor.

Para isso mesmo devemos quebrar antigas correntes. Mesmo que sejam correntes maravilhosas. Que sejam ligações sempre desejadas. Elas precisam ser deixadas para trás. As coisas seguem um fluxo constante, os ossos fatalmente se calcificam, mesmo sem gesso algum. Precisamos das novas doenças, e das novas brigas. E podemos sim acumulá-las contiguamente às anteriores, mas as vezes, talvez só as vezes, é preciso abandonar tudo o que havia para trás. E buscar novas cicatrizes.

terça-feira, 17 de março de 2015

Almas Pulsantes

Se a vida fosse mesmo uma grande festa (e já disse que quero morrer em uma delas, mesmo sabendo que ninguém morre de vodka, morre-se de amores e de terrores, nunca de vodka), e de festa se vive; se assim a vida fosse, a maior festa de todos os tempos, seríamos criaturas mais dançantes. Bailaríamos com a vida, a tiraríamos para dançar.

Senhora vida, conceda-me o prazer desta dança, ou dançarei com a morte.

Somos criaturas pouco práticas, caminhamos em direção ao Sol, mas não vivemos de extremismos, de extremismos é que se morre. Ficamos parados esperando que a vida nos tire para dançar. Aí então dançamos com a morte.

Mas nem todos. Não, nem todos mesmo! Há aquelas almas pulsantes. Há uma gente maluca de toda sorte, que dança com a vida, e baila além da morte.

Como as dançarinas da alma, que bailam ao som do palpitar dos corações ao seu redor. Como os bailarinos que giram. Como as dançarinas que pairam. Como as rainhas e as musas e as deusas. Como gente que nem mesmo sabe dançar, mas quem foi que disse que saber é preciso?, ninguém também nasce sabendo como se vive, e, no entanto, vivemos. Vivemos muito mais do que morremos.

Gosto mesmo é dessas almas pulsantes. Das que me tiram para dançar, e das que nunca recusam a minha dança, quaisquer que sejam os caminhares desses nossos pés malucos. Quaisquer que sejam as vielas da vida, com palco, sem palco, tablado, na rua ou na praça. Quero que a vida seja de mais festas, de mais gente maluca, que aceita o dançar e as suas consequências. Quero mais almas pulsantes.

segunda-feira, 9 de março de 2015

Sobre a Dissolução do Ego


Domingos não são para descanso. Domingos são subestimados. As tardes de domingo são as mais surpreendentes. O Dia do Sol, dies Dominicus, Dia do Senhor. O primeiro dia da semana, nunca o último. Tardes de domingo de sol são um belo e aconchegante pleonasmo.

Foi dito que quando da formulação da Genealogia da Moral, Nietzsche fatalmente estava sob efeito de um bom meio copo de conhaque. É indubitável a necessidade de diferenciar meticuloso de sistemático. O mundo é uma solução heterogênea, quando nele dissolvemos nosso ego, deixamos tudo saturado, pedaços pra todo lado. A solubilidade do ego é contestável, depende muito mais do solvente do que do soluto. Em conhaque, ela aumenta.

Perdi a mão. Não sei mais escrever. Provavelmente nunca tenha sabido. Tudo que anda por aqui é fluxo de pensamento, de uma forma nada meticulosa ou sistemática. Continuo não sabendo onde estou, e está tudo passando ainda mais rápido. Roubaram o calendário que estava aqui, e assim perdi os meus dias. E os dias que já passaram são meras folhinhas arrancadas.

Estamos abalados pela imprescindível tristeza da vida. Não há como evitar e não há como escapar. É bom lembrar que a vida é um fardo excessivamente pesado, não é nunca leve como uma pluma. É pesado exatamente porque arrancamos as folhinhas, mas não reciclamos nossos dias, jogamos tudo fora.

Assim dissolvemos o ego. Nunca sabendo até que ponto isso é necessário. Mas sabemos que assim chegamos mais perto de nós mesmos, do que talvez realmente sejamos. Continuo querendo esperar mais dos domingos, mais do que apenas tardes de sol, mais do que apenas o dia do senhor. Mais do que dissolução do ego.

domingo, 1 de março de 2015

Vibração

Todo corpo emite ondas. Toda existência física, senciente ou não, demarca sua presença no universo através da emanação de ondas vibracionais para todos os lados. Ondas variam em comprimento, velocidade, magnitude, variam na direção de suas cristas, e variam também em sua frequência. É uma equação complexa a variabilidade de um corpo físico. Todo corpo vibra e todo corpo emite ondas. Somos criaturas vibracionais. E também o somos em direções diferentes.

Quando dois corpos que vibram na mesma frequência se encontram, mas as direções são opostas, nada dá certo uma vez mais. E dividir a vida é mais fácil do que dividir o átomo, ou vice-versa. Mas buscamos, ou precisamos, aumentar a entropia, nunca diminuir. Por isso história nenhuma começa ou termina, nunca.

Houve uma época boa, vivida e revivida em devaneios, de forma vívida. Lembrada, relembrada. Mas qual época não é boa? Tenho visto a vida passar diante de meus olhos. Seria hora de parar? Dividir o átomo, dividir a vida. Vibrar em direções diferentes. Continuar com essas histórias cíclicas, em seus momentos em que aqui devem passar. Quem sabe em qual frequência está?

Começamos tudo de novo. Dividimos o átomo nessas histórias cíclicas. Alguém já escreveu de trás para frente? De costas, andando para trás. O tempo não volta, a entropia não diminui. Todo corpo vibra e emite ondas, e todas as épocas são boas, tudo depende da frequência na qual você está vibrando. Dividir a vida ou dividir o átomo? Continuar, devaneios, felizmente o mundo gira. Nada começa e nada termina. Nunca.