“Repassem a informação: a realidade está se dissolvendo!”. Isso gritava o maluco na rua, chamando a atenção de alguns dos transeuntes que passavam, mas logo voltavam às suas atividades rotineiras de não prestar muita atenção em qualquer doido dessa cidade. Sentei no banco da praça e fiquei esperando, queria ver até onde o maluco iria, em seus devaneios.
Você é um livro que está escrito em outro idioma. Houve uma época em que eu queria ser poliglota, fazer trocadilhos estúpidos em todas as línguas. Saber traduzir saudades. Hoje, eu abro as suas páginas e não entendo nada. Você é uma coleção de hieróglifos. É um alfabeto cirílico de cabeça para baixo.
Mas tenho mesmo sentido a minha cabeça meio flutuante, como uma folha à deriva no rio, procurando o oceano mais próximo, sendo que cada pequeno córrego é uma artéria irrigadora. Os glóbulos brancos são as folhas caídas.
Tenho ficado fraco em metáforas. Acho que meus devaneios são culpa da anemia. Corpo fraco, metáfora fraca. A folha continua flutuando, viaja sobre águas que nunca voltarão. O que mantém um rio em seu curso é a potência das águas que vêm atrás.
Tento decifrar as tuas páginas, mas não compreendo. O estranho é que sei que ali está escrita uma história maravilhosa. Tenho certeza absoluta da qualidade de cada palavra empregada, da habilidade com que cada sentença foi constituída.
O maluco na rua continua gritando. Vai ver a realidade dele está mesmo se dissolvendo. Ainda não chegou a lugar algum.