terça-feira, 18 de julho de 2017

Há Um Ano

As tardes de inverno têm a ingrata mania de se despedirem do Sol com um vento sul gélido, capaz de arrepiar até a alma mais radiante. Aquele, contudo, era um inverno um pouco menos rigoroso. De vez em quando, andávamos em mangas de camisa, sorridentes, por uma cidade contente por estar alheia ao constumeiro frio da estação que não esbranquiçava seus campos.

Ano a ano, aguardamos ansiosamente a primeira névoa da manhã invernal, a primeira geada, o dia mais frio do ano, anunciado pela televisão, semana após semana em recorde a ser batido.

Assim, não que não fizera frio. Houve lá os seus dias de graus quase negativos, e até de antecipação de neve, aquela que retornou a nossas terras em 2013 depois de 38 anos, e desde então aguardamos ano a ano também a sua continuidade, o seu não-evento-isolado.

Houve até mesmo um dia daquele inverno em que descobri o significado da expressão "quebrando gelo", muito dita pelos moradores mais antigos, que saíam de manhã, durante suas infâncias e juventudes, "quebrando o gelo" da grama no caminho da escola ou da lavoura. Fiz isso, como fizeram tantos antes de mim.

Naquele inverno, uma tarde quente. Não diria agradável, mas não que não a fosse, apenas não quero que fique aqui caracterizado uma espécie de contradição aos dias frios, ao associar o termo agradável àquela tarde quente. Não era agradável porque era quente, o era apenas por ser uma tarde. As tardes frias podem ser agradáveis também.

Uma tarde quente. Agradável também. Um convite para uma noite não enregelante. Uma festa. Pessoas ávidas pelo mundo. Muitas pessoas que eu sequer conhecia. Vamos então conhecer.

Um lago tranquilo. Naquela noite o meu chapéu caminhou por cabeças diversas. Amanheceu jogado atrás do sofá. Mas tudo bem, já perdi meus adereços outras vezes, quando ganhei muito mais. Não é importante o que se perde, já lhes disse, afinal, ao que nos resta.

Naquele noite de inverno, não muito mais do que isso. De manhã, uma poesia, sobre um lago tranquilo. E quem diria? Nada mais, palavras. Como tantas outras. Ouvi uma vez que, desde que surgiu a linguagem, qualquer sequência lógica de palavras organizadas têm noventa por cento de chances de serem absolutamente inéditas. As possibilidades são praticamente infinitas. Portanto, às favas com quem disse que todas as palavras já foram ditas.

Há ainda muito a dizer. E gosto demais hoje de ter a possibilidade de sentar à beira desse lago tranquilo, de observar suas pequenas ondinhas reverberando. De sentir o clamor de suas profundezas que só os peixes podem desbravar. De observar o fulgor do sol refletido em suas águas, e saber que aquele brilho é a coisa mais fascinante que a natureza já foi capaz de produzir.

Ainda que naquela tarde de inverno, quente e agradável, que se despediu do Sol sem enregelar nossas almas, mas, pelo contrário, a deixando disponível para o calor do mundo. O calor das outras almas. Ainda que naquela tarde eu não soubesse, e só viria a saber meses depois, tudo mudava.