quinta-feira, 20 de agosto de 2015

Sobre Ser Todo Mundo

Acho um absurdo gigantesco a gente ser apenas uma pessoa. Nessa perspectiva, a experiência na existência se torna extremamente egoísta. Existir habitando um único corpo e uma única mente não só nos priva das experiências que a multiplicidade de corpos e mentes é capaz de proporcionar, como também faz de nós criaturas que não vivenciam a individualidade do próximo como ela deveria ser vivenciada.

Nos parece impossível compreender o que o outro está sentindo ou pensando. Todo mundo parece distante de todo mundo. O que cada um de nós tem em comum com qualquer um dos outros? As experiências que nos aproximam são as mesmas que nos afastam, pois que cada um tem a infame mania de ser dono de sua opinião e seu ponto de vista como se fossem as verdades absolutas.

Há tanto para sentir, tanto para ver, tanto para existir, que se torna simplesmente inconcebível que a gente seja uma pessoa só. Uma única consciência completamente separada das outras infinitas consciências faria do mundo um lugar de universos isolados, de planetas em órbitas particulares, de eternos não-encontros. E não é o que somos.

Somos criaturas que se esbarram toda hora, que lamentam a dor alheia, que se abraçam, que compartilham alegrias e tristezas, que caminham sob um mesmo Sol e uma mesma Lua. É impossível, então, que não possamos, em um avançado estágio de evolução, ser, mesmo que momentaneamente, outras pessoas. Ser todas as pessoas. Ser quem quisermos ser quando assim desejarmos.

Em alguns momentos raros de outrora, tive a oportunidade de experimentar coisas parecidas com fugas da minha personalidade para habitar a personalidade alheia. Foi quando estive em contato com um eu que definitivamente não está isolado, que não é um só. Foi quando eu vivi dentro de outras personalidades que eu sei que existem de maneira física por aí.

Um dos meus maiores sonhos é algum dia ter a capacidade de ser essas outras pessoas. De quebrar a barreira desse absurdo intangível da individualidade, da consciência limitadamente egoísta. Sentir, ver e existir tudo o que há para existir, em todos os lugares. Ser algum dia todo mundo.

quinta-feira, 13 de agosto de 2015

Não Paga Bem

Eu já te disse, baby, que o amor não paga bem
Mas que compensa, não há erro, isso é certo meu bem
Você vai ter que mendigar, vai chorar rastejar
Vai perder o teu tempo tentando o recuperar
Eu já te disse, meu bem, o nosso amor não foi normal
Mas que valia, isso é certo, nos fazia um bem total
Você vai ter que esquecer, vai correr arrepender
Vai perder o teu tempo tentando o entender

quinta-feira, 6 de agosto de 2015

No Bar do Pedro

O primeiro Pedro que conheci na minha vida foi meu avô, há quase três décadas. Foi por essa mesma época que conheci também o interior, com suas estradas de chão, com seus cheiros de animais em cidades minúsculas, com as árvores e arbustos de folhas marrom, assim deixadas pela poeira acumulada nos dias quentes... Com sua música caipira.

Naquele ano em que conheci o interior, meu avô já passava dos 60. Hoje, Seu Pedro ainda trabalha todos os dias, com seu criativo ofício na marcenaria, desenvolvendo sempre uma nova engenhoca de madeira. Hoje, moro às margens da cidade grande, da agitação frenética e das árvores com troncos pintados de branco para evitar pragas, o marrom da poeira substituído pelo cinza sem vida do asfalto.

No interior, o som da viola caipira é regra, nunca exceção. O cantos dos passarinhos é frequente, não raridade. O Tuiuiú e o Cardeal são mais ouvidos. Aqui, ouvimos o barulho dos carros na rua. Ouvimos a sirene da polícia e a reclamação exagerada do vizinho insatisfeito.

Mas aqui, o mais novo Pedro que conheci na minha vida, e já perdi a conta de quantos são, não se abala. Pede para a dupla caipira baixar um pouco o som e continua dançando. Continua celebrando seu aniversário, distribuindo garrafas de cerveja. Tuiuiú e Cardeal puxam os parabéns, cantam e recantam a ode ao aniversariante, também dono do boteco.

Uma dezena de senhores com cara de interior congratula o Pedro. Andam para lá e para cá dentro dos menos de 30 metros quadrados do bar, com a cerveja que, pelo menos até acabar a grade, é na conta do Seu Pedro.

Tuiuiú e Cardeal continuam cantando músicas que já ressoam há muito mais tempo do que as quase três décadas que se passaram desde que conheci o interior. Músicas que evocam o interior em seus acordes. Formamos uma ilha na cidade em plena quarta-feira. A música é as estradas de chão, é os cheiros dos animais, é as árvores marrons e os passarinhos. É o Tuiuiú e o Cardeal, e é o Seu Pedro.