Acho um absurdo gigantesco a gente ser apenas uma pessoa. Nessa perspectiva, a experiência na existência se torna extremamente egoísta. Existir habitando um único corpo e uma única mente não só nos priva das experiências que a multiplicidade de corpos e mentes é capaz de proporcionar, como também faz de nós criaturas que não vivenciam a individualidade do próximo como ela deveria ser vivenciada.
Nos parece impossível compreender o que o outro está sentindo ou pensando. Todo mundo parece distante de todo mundo. O que cada um de nós tem em comum com qualquer um dos outros? As experiências que nos aproximam são as mesmas que nos afastam, pois que cada um tem a infame mania de ser dono de sua opinião e seu ponto de vista como se fossem as verdades absolutas.
Há tanto para sentir, tanto para ver, tanto para existir, que se torna simplesmente inconcebível que a gente seja uma pessoa só. Uma única consciência completamente separada das outras infinitas consciências faria do mundo um lugar de universos isolados, de planetas em órbitas particulares, de eternos não-encontros. E não é o que somos.
Somos criaturas que se esbarram toda hora, que lamentam a dor alheia, que se abraçam, que compartilham alegrias e tristezas, que caminham sob um mesmo Sol e uma mesma Lua. É impossível, então, que não possamos, em um avançado estágio de evolução, ser, mesmo que momentaneamente, outras pessoas. Ser todas as pessoas. Ser quem quisermos ser quando assim desejarmos.
Em alguns momentos raros de outrora, tive a oportunidade de experimentar coisas parecidas com fugas da minha personalidade para habitar a personalidade alheia. Foi quando estive em contato com um eu que definitivamente não está isolado, que não é um só. Foi quando eu vivi dentro de outras personalidades que eu sei que existem de maneira física por aí.
Um dos meus maiores sonhos é algum dia ter a capacidade de ser essas outras pessoas. De quebrar a barreira desse absurdo intangível da individualidade, da consciência limitadamente egoísta. Sentir, ver e existir tudo o que há para existir, em todos os lugares. Ser algum dia todo mundo.