Ninguém pergunta aos céus o que acontece nas abafadas tardes de Curitiba. Só queremos saber dos dias chuvosos e tristes, padrão complementar do gosto dessa capital mais alta e mais fria (e, controversamente, mais europeia) do Brasil. Andamos por aí, com o sol nas cabeças, esperando que o tempo melhore, e, vez por outra, esse mesmo tempo deve ser o assunto que permeia o nosso contrato social e as amenidades das conversas.
Sendo assim, em veículos coletivos automotores, o tédio da viagem por vezes cria parcerias pouco conexas, e insípidas à primeira vista. Oras, pois que são os ônibus os melhores lugares para amar. Para que o amor seja eterno apenas durante aqueles quarenta e cinco minutos de viagem, do Pinheirinho ao Santa Cândida, do Centenário ao Campo Comprido, do Colombo ao CIC.
Duas figuras de avançada idade sentam-se lado a lado às minhas costas, com toda a carga e história do mundo às suas costas. Amenidades aqui e acolá, e “como pode esse tempo ser tão louco?”, para que venham assuntos mais complexos, mais bem desenvolvidos. E “oras, eu também fui militar”. Duas partes de uma mesma conversa, feminina e masculina, somadas suas idades, quem sabe?, quiçá um século e meio ou mais.
Uma joaninha pousa em meu cabelo. Um desses tantos animaizinhos praticamente insignificantes perante nossa auto proclamada magnitude e importância no universo. Vermes insolentes, mal sabem que cada joaninha é mais importante que a humanidade inteira. Dessas criaturinhas que entram em ônibus sem perceber e sem saber qual rumo tomaram, e para qual tipo de trás ficou a sua outrora casa, se é que disso eles precisam e têm.
A parte feminina da conversa se oferece para expulsá-la de meus cabelos. Lá se vai a joaninha com o vento, em busca de sua casa perdida. A conversa continua e desenrola, presto atenção furtivamente, roubando cada verbo e substantivo para o meu deleite particular. As palavras proferidas pela dupla anciã se alojam em minha mente, e me fazem acreditar em qualquer coisa de belo nesse mundo.
Os pneus do ônibus cingem os asfaltos do tempo. Estamos em 1960, 70, 80, passamos por décadas a fio nas ruas curitibanas, enquanto os idosos transportam suas histórias para o insensível 2014. Senhor e senhora parecem ter tanto em comum, mas... e não são assim todas as pessoas, explorados os pontos corretos? Não, de fato não são. Somos todos tão diferentes quanto dizem nossas íris e nossas digitais, e diriam nossas zebras se as tivéssemos. Não existem coincidências.
No fim todo tubo (íris, digital e zebra curitibana), se aproxima; e é disso que são feitos os ônibus nos asfaltos. Toda conversa tem um fim, pois que fim todas as coisas têm. No entanto, aqueles verbos e substantivos alojados em minha mente, vivem eternamente. Eterna mente. Todas as coisas que um dia existem, existem para sempre. Cada velhinho para um lado, a parte masculina antes, a feminina dois tubos depois.
Talvez nunca mais se encontrem nos ônibus, ou mesmo nas ruas, curitibanos. Mas oras, para quê mesmo deveriam? Esse encontro singular é mais do que suficiente para que todas as suas vidas tenham valido a pena, pelas histórias transportadas, e mesmo que lembrados unicamente através dessas palavras que cingem os asfaltos do tempo.