quarta-feira, 24 de dezembro de 2014

Retrospectiva 2014

Finalmente mais um ciclo vai chegando ao fim, um ciclo de revoluções da Terra em torno do Sol. Depois de 365 rotações e uma translação voltamos novamente à época de celebrações e festas, quando o espírito do recesso de final de ano toma conta de todos.

O ano de número 2014 da Era Cristã. O de número 14 bilhões e alguma coisa desde o Big Bang. Mais um ciclo como tantos outros, necessidade de criaturas cronológicas que somos. Mas o fato é que juntamente com os jingle bells, chegam nessa época as retrospectivas, para relembrar o grandioso ciclo que está terminando.

Então, na maravilhosa rede social twitter, em 2014, tivemos tais pérolas:



















segunda-feira, 15 de dezembro de 2014

Amores Inacabados

Somos mestres em amores inacabados. Daqueles filmes cujo final inexplicado deixa uma sensação de desconforto no ar, de que o realizador da obra deveria ter sido ligeiramente mais específico. Aqueles amores de ônibus, paixões platônicas que duram apenas os 40 minutos do trajeto entre um começo, passando por um meio, e ironicamente chegando a um fim. Quarenta geralmente longos minutos, encurtados quando os amores tornam os tempos relativos.

Mas esse é só um exemplo de amores inacabados. Existem outros: dos telefones, nos quais a voz nunca assume forma física; os virtuais, nunca reais, que por vezes até se tornam realidade, mas um início tão metafísico não pode ser consumado com todas as eternidades. Apesar que fato é que existindo por si só, eterno é. Durante 15 minutos, te amei para sempre.

Não tenho um mínimo de respeito, necessário à convivência pacífica, por quem acredita que todas as boas histórias já foram contadas. Histórias existem em sistemas infinitos, em progressões geométricas nas quais casas nos tabuleiros de xadrez viram montanhas incomensuráveis de trigo. Há ainda tanta coisa a contar, tanta coisa a viver, tanta coisa a sentir. Eu sinto, e sinto muito!

Mesmo que seja um romance mal escrito, desses que se vendem em bancas de jornal. Erotismo barato, papel reciclado, capa desgastada antes mesmo de ser vendida. Tudo desbotando ao Sol, desbotando até mesmo à Lua, dada sua perenidade. Mas oras, são essas histórias também. Têm seu brilho, suas boas passagens, e seus autores podem mesmo ser citados entre aspas em obras um tanto quanto mais profanas.

E que seus autores não sejam jamais esquecidos, nem mesmo seus atores. Pois que tudo que inacabado é, por acabar estar. E oras, dir-se-ia que se nossos amores estão ainda inacabados, então significa que eles vivem conosco para sempre, ainda existindo, e coexistindo com tantos outros amores. Mesmo que estejam todos inacabados, celebrando a eternidade.

quinta-feira, 11 de dezembro de 2014

Sobre Ser Lembrado (ou não ser esquecido)

Ou ainda: Ensaio Sobre a Memória

Atravesso a vau as grandes correntezas da memória, que se esvaem em imensos rios correndo para os oceanos do tempo. O destino é uma página amassada. Armazeno em minhas masmorras muitas mais lembranças do que deveria, ou gostaria. Tudo que fica para trás de nós, em algum lugar fica guardado, e dizem não ser possível voltar no tempo. A memória é a melhor máquina do tempo.

Certa feita, a minha caverna com as pinturas rupestres me revelou ter o medo de partir da existência sem deixar nada, sem ter realizado grandes feitos. Oras, isso é impossível, a própria existência por si é um feito grandioso. Um feito que invariavelmente deixa marcas indeléveis por onde passa, pois que ao tocar em uma outra existência qualquer, dela fazemos parte para sempre. Ensina um dia algo a alguém, e mesmo que pereça sua existência, enquanto aquele alguém existir, e ensinar o seu algo a outra alguém, ou simplesmente o mantiver, lá estará você. Em aprender a recíproca é verdadeira.

Imaginem que lindo seria poder acessar absolutamente todas as memórias da humanidade. Tudo o que cada criatura já viu ou sonhou e, inconscientemente, achou por bem armazenar em seu incomparável arquivo interno. Poderíamos lembrar de tudo o que já aconteceu, de todos os que foram esquecidos, de todos os que nunca são lembrados.

E são coisas como essa as que fazem a vida ter um pouquinho mais de sentido. Talvez seja esse meu único real objetivo na vida (e na morte); mais do que a rua, a selvageria, ou o caos. Não é sobre ter nomes em placas, de forma alguma, que isso fique reservado aos engenheiros da história. Apenas ficar bem acomodado em algumas masmorras já me dá por satisfeito. Receber e entregar cartas. Convites. Fazer parte dessas listas que circulam por aí.

E mesmo depois que corra muito tempo, continuar nessas masmorras. Mesmo que lá no cantinho, como um objeto de decoração velho e desbotado. Mas nunca esquecido. Maior do que a vida e a morte, a memória vence o tempo. Faz com que o que fazemos em vida ecoe na eternidade, como dito outrora. E faz com que tudo o que já foi, continue sendo, mesmo que todas as leis da vida não o permitam. Não ser esquecido é diferente de ser lembrado.

A maior grandiosidade (toda grandiosidade é maior que as pequenezas, mas algumas grandiosidades são maiores que as outras); a maior de todas acontece quando em comunhão entre a memória, as marcas, o tempo, e tanto mais; quando não somos esquecidos. Mas há muito ainda a se dizer, pois que há ainda muito a se lembrar.

segunda-feira, 1 de dezembro de 2014

Pequena

Quis lhe escrever uma poesia, pequena
Que coubesse em teu coração
Quis então lhe fazer uma rima, menina
Que um dia virasse canção

Acabei com uma rima tão pequenina, menina
Que é quase poesia ilusão
Acabei então com essa poesia pequena
Que a poesia é você então

segunda-feira, 17 de novembro de 2014

As Árvores Estão Perdendo as Suas Folhas


As árvores estão perdendo as suas folhas. Olhem para esse frio! Isso não é normal, está tudo muito errado. Estão todos completamente malucos! Já estive em muitos lugares, já andei viajando por aí, em veículos provisórios, em veículos malfadados, mas que nunca atingem seus fados. Toda vez que entro em um ônibus, torço intimamente, rezo, clamo, sei lá, para que dessa vez ele de fato se arrebente contra a mureta de proteção da auto-estrada e a arrebente, arrebentando-se depois contra qualquer barranco, abismo ou profundezas infinitas que existam em seu, e em meu, caminho também.

Obviamente, isso nunca acontece. Mas em todos esses lugares para onde fui, sempre tento traçar um paralelo com os outros lugares para onde fui. Existe uma escala, até certo ponto incongruente, mas que ainda está em desenvolvimento, que mede o quanto o lugar é maluco. E eu digo “aqui sim está um lugar maluco”, ou “não, esse lugar não é deveras maluco”. Claro que existem diversos fatores que influem nessa escala, e eu não faço a menor ideia de quais são.

Eu não faço a menor ideia de nada. Tudo o que estamos fazendo aqui é falhar miseravelmente em tudo o que estamos fazendo. Leio as mesmas coisas, ouço as mesmas coisas, vejo as mesmas coisas a todo o tempo, olho para os mesmos rostos cansados, e eles parecem joviais. Eles fingem ser joviais. Quantas pessoas respondem a um “tudo bem” com “não, ta tudo uma merda”? E elas não fazem isso por não estar tudo uma merda, mas sim porque preferem fingir ser joviais. E andam por aí sendo insensatas. A insensatez é a maior das doenças.

Fato é que a vida é uma coisa maravilhosa. É uma arbitrariedade tremenda também. Aquela velha e batida história da proteína que estava extremamente entediada nadando na sopa primordial, e em vista de seu tédio resolveu sintetizar RNA. Oras, malditos sejam teus retículos endoplasmáticos, as tuas mitocôndrias, e essa porcaria toda! Mas é tudo maravilhoso. Maravilhosamente maldito. Poder sentar um dia pela manhã e ficar observando as árvores perdendo as suas folhas, ou a neblina que se forma simplesmente porque faz um frio fora de época. Ou observar uma pessoa e um lugar ficarem completamente malucos.

Meu tempo passou. Eu estava à janela, observando os transeuntes carregando as suas vidas tediosas nas sacolas de compras. Vão aos shopping centers e voltam de lá carregando suas vidas nas sacolas de compras. Vão aos mercados, e compram suas próprias vidas embutidas, embaladas a vácuo, num sistema tetra pak para que durem muito mais. Afinal, oxigênio é o que estraga a existência, não é mesmo? Então fico observando à janela, enquanto a vida passa em minha frente, acena e vai embora. Oras, a vida tem mais o que fazer do que ficar esperando, certa está ela! Vai! Vai e não volta nunca mais! Sua maravilhosa maldição!

Estou perdendo as minhas folhas, elas estão todas ficando pelo caminho. Em alguma esquina, entrei pela viela errada, pelo caminho tortuoso, pela trilha gasta. Nesse caminho, não me acompanharam minhas folhas. Mas tudo bem, afinal, está tudo ficando maluco mesmo.

quinta-feira, 13 de novembro de 2014

Sobre Fugir

Certa feita, escrevi a uma garota determinada poesia. Amizade expressa, ela singelamente me olha e sentencia: "tenho em minhas mãos a coisa mais linda que até hoje alguém ousou escrever para minha pessoa". Naquele momento egocentrista, tudo o que pensei foi "chegará um dia o momento em que terei eu em mãos a mais bela coisa que alguém já escreveu para mim?". Oras, esse momento chegou.

Sinto saudades de sentir o sentimento bom de ter o estômago revirado sem precisar regurgitar. Aquela velha e recorrente metáfora das lepidópteras invadindo o aparelho digestório para denotar uma sensação boa. Criam casulos no interior de nossas tripas, procurando espaço entre movimentos peristálticos rosáceos, desacostumados a ver a luz. Casulos são transições, como todas as outras coisas que mudam, somos grandes casulos envoltos, atrapalhados por um metabolismo lento demais.

Saímos de casa. Tudo o que foi nosso um dia, nosso continua sendo. Pois que temos para sempre aquilo que nunca chegamos a perder. São nossas as nossas ruas por onde caminhamos em madrugadas memoráveis. Memorabilia. Física imemorial. Desfisicamente deixamos ambientes, ultrapassamos a velocidade do som, do som das vozes que nunca mais foram ouvidas.

E saímos, andamos a princípio. Lentamente como o bater de asas de uma criatura pesada demais, ou velha demais, ou fraca demais. Caminhamos e principiamos a trotar, passo apressado de quem expectativa chuva. Oras, mal sabem que quando a chuva vem, o mais correto é então parar, esperar o primeiro pingo, a primeira gota, e então dançar. A senhorita me concederia o prazer desta dança? Então corremos, o trote vira desabalada carreira.

Para onde vamos? Não sei! Corremos, e passamos (passamos a passos, correndo corramos) por todos os lugares que ainda são nossos. Fisicamente. Tenho memória do futuro, me lembro do que ainda está por acontecer. São nossos, mas lá não paramos. Vamos, para onde não sei! Em fuga fujamos. Fugimos. Para onde não sei. Pois que nunca paramos.

É como sempre disse: em qualquer nível, sentimento algum precisa ser recíproco. Mas quando o é, amigos, quando o é...

segunda-feira, 10 de novembro de 2014

Infinitas Atmosferas

Everybody is sad in the city of dreams
Everybody is happy in the city of sins

Tenho visto as coisas como que do fundo do oceano, com toneladas de água barrando tudo, a luz tem dificuldade em atingir minhas retinas. Tornam-se as coisas turvas e embaciadas, são meros movimentos involuntários, silhuetas ao longe. Então preciso nadar, buscar a superfície. Mas nada mudará o fato de que eu sou um peixe que não entra na água, pois que quando entro, enfrento resistência, obstinação, não devia estar fazendo aquilo. O oceano foi, é, e sempre será contemplação.

O mundo está repleto de erros, de coisas erradas e arrependimentos. Todos esses erros esperam por aí, andam a esmo, esperando para serem cometidos. É simples, é fácil, e é também como os movimentos involuntários, você chega lá, encontra um erro te observando, e o comete simplesmente. E com tantos vistosos e variados erros por aí, apenas esperando para serem cometidos, me pergunto o porquê de cometer sempre os mesmos.

Por vezes, ouve-se também um chamado. Um bater de asas na madrugada, quando o silêncio mesmo do infindável oceano impera. E, oras, é um chamado do não-erro, conclamando a não entrar na água. Lembre-se sempre de que tipo de peixe você é. Voltemos, então. Caminhares na areia, e quem é você? Quem é e o que faz, quando faz esforços desmedidos e auto-flagelantes em prol de qual quem mesmo? Olhe só para esses erros voando à nossa volta. Não, não são as asas de antes, eles estão indo embora.

Enfim um dia disseram você pode ser o que quiser oras decidi não ser nada. Mas decidi também que todas as vírgulas são aspas que caíram. Como anjos caídos vírgulas são criaturas decadentes impeditórias pensei em não mais usá-las como erros recorrentes. Vírgulas são erros. Também já desejei não enxergar. A visão é um erro. E aí é bom estar preso no fundo do oceano sou criatura abissal com esmerado gosto. Fiquem aí embaciados turvos entre-vírgulas. Fiquem erros. Fiquem com essas asas que batem e que mesmo quando não batem eu sei onde está o oceano. Volto ao meu chamado não quero enxergar não quero mais vírgulas.

segunda-feira, 3 de novembro de 2014

Sobre Ouvir o Sentir

Ouça o chamado da noite
Que te sobe pela alma em calafrio
Que conclama o que tem das tuas forças
E segura as tuas ondas em falso brio

Ouça esse pio melodioso
Esse rito de um alar em puro breu
Pela rua, pela areia, a pé nas águas
Volta cedo nesse mundo que perdeu

Ouça esse mar cheio de fúria
Que implora negociar auto-perdão
Esquecer que pelas noites já só chora
Não viver, nem pelo sim, nem pelo não

Ouça a areia estrepitar
Com passos que só trazem volta a nada
Esse peso inflamado nesse peito
E a janela permanecerá fechada

Ouça, que a noite logo esvai
Pra deixar a sós remoendo seu chamado
O que queira entrar, o que queira sair
O que fica do que foi lá escutado

quarta-feira, 22 de outubro de 2014

Eu Sou o Vento no Trigal

Quem já foi flor na primavera
Já fui amor em outras eras
Sou o vento na janela
A dúvida que nunca quebra
A peça que não faltou
Quem amou em sua era
Nunca deixa de ser flor
Quando sobem as águas
É tempo de umidade
É tempo de florada
O vento gira e procura
Mas a florada vai esperar
Vento em ação
Flores em profusão
O mundo é grande demais
Pra tão pouco tempo
Pra tão pouca água
E tão pouco tempo
E tão pouco vento
Se não fizer sol
O trigo não vai brotar
Estou aqui
Eu sou o vento no trigal

quinta-feira, 16 de outubro de 2014

Stardust

É como eu estava te dizendo agora mesmo: nossa história começou há uns mil anos, quem sabe antes. Talvez tenhamos desbravado as planícies da Bretanha juntos, ou construído pirâmides, derrubado impérios, quem sabe você tenha sido a Cleópatra desse César aqui. Os detalhes das histórias não importam muito, o que importa é que elas aconteceram, e a nossa história começou há muito tempo.

Todas as histórias começaram há incontáveis anos. Você certamente já ouviu dizer que somos feitos de materiais que se originaram no núcleo das primeiras estrelas, alguns segundos depois do big bang. Pois bem, isso é verdade, cada partícula do seu corpo perene já esteve rodando pelas galáxias, já foi matéria, já foi componente químico de minerais flamejantes, já foi composto orgânico de outras vidas. Tudo já foi outras coisas, e certamente será ainda muitas outras.

As histórias são todas iguais, as pessoas são feitas dos mesmos materiais. Sorriem e choram aqui e acolá em expressões semelhantes. Existe sempre a parte boa e a parte ruim. Mas é absolutamente incompreensível o porquê de alguém abandonar a possibilidade das coisas boas, apenas em virtude da existência das ruins. É como se esconder dentro de casa em um lindo dia de tempo aberto, céu limpo e ares refrescantes, apenas porque um dia pode ser que venha uma tempestade. Medo de sentir medo é medo também.

E as histórias vão se repetindo. Quero saber quanto de mim já foi dinossauro. Será que os megalodons sorriam e choravam? Será que os brachiosaurus derrubavam impérios? Será que os compsognathus construíam pirâmides? Alguém aí já originou uma estrela? Será que as estrelas sentem medo de ser supernova? Geramos estrelas todos os dias, certamente estrelas são grandezas relativas. Espero que algum dia toda essa matéria que hoje é eu, é nós, volte a rodar as galáxias por aí, e que, quem sabe, desbravemos juntos uma vez mais as planícies da Bretanha.

sábado, 11 de outubro de 2014

Ensaio Sobre a Tristeza

Ainda quero conversar com quem fez a vida assim tão triste. Não que isso seja ruim, definitivamente não é. Mas eu gostaria de saber o que pensa, onde vive, como gosta da gema do ovo. Acontece que a tristeza anda à nossa volta, em tudo o que não temos ou perdemos. Apesar de não ser só isso, definitivamente não é. É muito mais, é um modo de viver, é andar sozinho pelas ruas, é olhar o céu procurando estrelas, é sentir-se mal mesmo quando tudo vai bem. É viver na medida do impossível.

Everybody is sad in the city of dreams. Aquelas almas andavam à esmo, sem rumo qualquer, almas perdidas há várias gerações, sendo as mesmas almas que um dia foram seus pais. Paravam em cada esquina, observando os passantes. É noite, as criaturas notívagas saem de suas tocas, tudo por aqui é pretexto, é tudo uma tentativa falha de motivação. Há tanta companhia e tanta ausência ao mesmo tempo. Tudo, absolutamente tudo, parece o que não é.

Quem sabe um dia, depois de tanto tentar nos enganar, consigamos provar a nós mesmos que não somos assim tão tristes. Por isso andamos tanto por essas ruas, procurando esbarrar em um passante qualquer. Por isso nos utilizamos de todas as substâncias alteradoras de consciência possíveis. Por isso respiramos a noite, e deglutimos o tempo através de um esôfago ofídico. Mas não é assim tão simples, tentamos a todo momento nos convencer de verdades que nunca foram verdades, e nunca serão. Continuaremos com nossas tristezas.

Na verdade mesmo, a tristeza está em todos os lugares. Anda impregnando o próprio ar. Quase consigo tocá-la com as mãos, acariciá-la, pedir pra que ela me deixe um pouco sozinho. Cada átomo de oxigênio navegando as minhas veias carrega consigo uma partícula de tristeza. A coisa mais estranha desse mundo é saber exatamente qual vai ser a causa da sua morte. Idi Amin sabia, mas não contou pra ninguém.

E o ar me foge, fica difícil respirar. Até as tristezas fogem, são aquela música que fica tocando como som ambiente, bem baixinho lá no fundo, até o ponto em que praticamente só se ouve uns estalos do grave. Com a tristeza impregnando o próprio ar, é isso que respiramos quando conseguimos respirar. Tudo à nossa volta devaneia, nas ruas as almas ainda vagam em busca de seu lugar. Prefiro meu ovo com a gema mole. O fato é que não se morre de tristeza, se morre da falta de ar. De tristeza só se vive.

terça-feira, 30 de setembro de 2014

Capítulo 5 - Sem Nome, Sem Mais Nada

Ao sujeito que é uma vez facultado ver a glória, o medíocre nunca mais lhe será suficiente. É impossível ter um dia o esplendor em mãos, e contentar-se no dia seguinte com o regular, o reles, o ordinário, a semi-glória. O sujeito que é rei uma vez nunca deve contentar-se em abandonar trono, cetro e coroa, para tornar-se o bobo da corte.

Tudo desvanecerá, e isso já foi dito. Mas é assim a ordem natural das coisas, todo castelo foi feito para desmoronar, e as mais lindas cores sempre desbotam. As coisas deixam de ser e de haver a todo o tempo. A glória um dia minguará. Tronos, cetros e coroas passarão, e nada vivo há de restar. O brilho cintilante de cada estrela, um dia será trevas na imensidão de um espaço frio e profundo.

Talvez nossas pinturas tenham desbotado pela ação do tempo implacável. Talvez tenhamos virado supernova, em uma explosão desalentadora. Talvez tenhamos morrido nesse mundo nublado, onde nosso caule não tem para onde girar. Talvez o arco-íris tenha desaparecido no ar como se nunca tivesse existido. Talvez tenhamos sido números normais, pares quaisquer. Talvez tenhamos sido linhas perpendiculares afinal, e nunca nos encontremos no infinito.

O que fica da glória é a própria existência da mesma. Sempre digo que não devemos lamentar as mortes sofridas, mas sim comemorar as vidas vividas. Portanto, só me resta agradecer à glória por ela ter existido, pois que a sua existência foi auto-suficiente. Agradecemos às vidas por elas terem sido vividas. A glória existiu, e isso basta.

E agora você parece para mim um sonho bom, porém distante. Um sonho sonhado em uma daquelas noites que a gente acaba acordando meio desvairado, sem entender muito bem o que acabou de acontecer. Aí senta na beira da cama, e passa alguns minutos tentando colocar as ideias no lugar, mas isso não é algo possível... Então, a ponto de levantar e seguir com o dia enfadonho e sem graça que com certeza virá, vem um sentimento bom, um tipo de paz interior mediante uma lembrança que não se sabe nem de onde vem, e aquela sensação reconfortante de que mesmo o sonho tendo acabado, ele foi bom... Ele foi muito bom.

sexta-feira, 12 de setembro de 2014

Desamar

Um dia desses, a Rosa Púrpura sentenciou que uma das maiores loucuras que um ser humano pode cometer é escolher deliberadamente amar, que criatura nenhuma deveria fazer isso em sã consciência. O amor só tem, segundo esse ponto de vista, efeitos negativos a longo prazo, e o bem que ele faz nunca seria real. É um pensamento que questiona pontos como a inabilidade para não-relacionamentos, e o triste medo das solidões que as pessoas carregam consigo exatamente quando estão sozinhas. Pensamento que sai de ventrículos e átrios calejados, ignorando a autonomia da sensatez lógica.

Ela disse também, em outros tempos, que minha sina se configura claramente em uma vida solitária, desprovida de alcateia, feita de caminhares em florestas cobertas de frias neblinas pela manhã, onde minhas pegadas ficariam marcadas na neve apenas pelo tempo necessário para não serem seguidas. Em outros tempos já disse eu que, oras!, aceito esse destino... O que temos a fazer além de aceitá-lo? Lutar contra ele é de uma nobreza admirável, e isso fazemos. Porém, há lutas que não foram feitas para a vitória.

O grande segredo para lutar quando a derrota é inevitável, é não lamentá-la quando ela fatalmente vem. Sentar-se inconsolável sobre o campo outrora florido, coberto agora de sangue da batalha, não vai mudar a sina pré-determinada e antecipadamente conhecida. Perdemos muito mais do que ganhamos, o mundo é muito mais feito de não do que de sim.

Há corações espalhados por aí que carregam consigo fardos pouco pesados, outros não levam nenhum. Contudo, todo músculo cardíaco possui seu próprio limite de peso, tal qual os elevadores que não levam mais do que oito pessoas, ou 560 quilos. É claro que, em último caso, eles levam sim além dessa quantidade, o problema é que isso não é seguro, e vai causando um mau funcionamento com o excesso constante. Acredito que os corações que carregam os maiores fardos são aqueles elevadores de serviço, capazes também de carregar consigo até 16 pessoas. Toda quantidade é abstrata, que claro fique, apenas nossos corações não são corações de mãe.

Em todos os casos, há batalhas e batalhas, lutas e lutas, guerras e guerras. E a maioria delas sequer foi feita para ser travada. No entanto, há uma coisa, acima de todas as outras, que a criatura solitária que uiva para a Lua nunca entenderá em sua perene existência: escolher desamar. Afinal, como é possível que duas existências que entram em confluência trazendo benesses mútuas podem decidir deliberadamente, em um momento qualquer, por se afastarem? Se o bem que ele faz é real, por que escolher não mantê-lo?

Mas o quê?!, isso é que está certo. Sim, está. O bem por si só não basta. Não nos contentamos com o suficiente, queremos a floresta toda quando temos uma árvore. E até que está realmente certo, mesmo sendo absurdo. Escolher deliberadamente amar pode ser uma loucura, praticada por criaturas insanas; no entanto, escolher deliberadamente desamar é uma loucura muito maior. Uma loucura que criatura nenhuma em sã consciência deveria cometer.

sábado, 6 de setembro de 2014

Sobre Fozes e Nascentes

Sou um rio caudaloso. Nasci há muito tempo, quando as montanhas eram ainda jovens. Sou uma criatura muito vívida e intensa, e carrego comigo milhões de outras vidas. Sou um rio que cruza vários estados da nação, e apenas um da matéria. Venho de vales e montanhas, de planícies e florestas, banho fazendas e cidades. Cruzo também mais de um país.

Estivemos em milhões de lugares, em todos os lugares do mundo, e lá fomos sempre bem recebidos. Nossas águas banharam três fronteiras, e se precipitaram em quedas e em iluminações maravilhosas. Atravessaram pontes, e, sob a forma de gotículas em suspensão, molharam as faces deslumbradas de incontáveis criaturas também em suspensão. Precipitaram-se também sob a forma de lágrimas, como uma pedra que canta uma triste canção, e prenuncia um choro em cascata que é uma das sete maravilhas da natureza.

Nacimos de muchas madres, viemos de muitos afluentes, de tudo aquilo que se esforçou para ser nós. E, sobre a ponte, foi posta à prova nuestra amistad. Passamos em testes todos. Estivemos sim em três lugares ao mesmo tempo, e todos os outros lugares por aqui estiveram. Estivemos em Libra, em Órion, na Pedra que Canta; estivemos com Naipi e Tarobá nos primórdios de nossas águas com seu amor nunca consumado. Todos os lugares são o mesmo, todas as cidades são iguais. E esse lugar é deveras maluco!

Gosto das pessoas que dançam sob e sobre as minhas águas. Gosto daquelas pessoas que topam qualquer passo, por mais insano que seja. Pois que dança nenhuma é impossível. Aprendi que o impossível nada mais é do que o que temos medo inconsciente de alcançar. Dançamos pelos anos, atravessamos tantas águas, e é impressionante imaginar até onde esses passos já nos levaram, a quantas margens de um mesmo rio. Caímos da vida em cataratas. Retornamos em nascentes maravilhosas.

Nascemos e morremos, para dizer a verdade, o tempo todo. Nascemos assim, em fontes cristalinas escondidas em selvas impenetráveis. Por vezes, nascemos também de confluências. Mas morremos em fozes maravilhosas, em pedras que cantam, em cachoeiras deslumbrantes. Outras vezes imigramos para países hermanos, e um dia iremos desembocar em mares argênteos.

Perdemos. E às vezes ganhamos. Sou um rio caudaloso. Não sou afluente, pois que sou feito de afluentes. Não sou riacho, pois que meus afluentes são feitos de riachos. Não sou ribeirão, pois que os riachos de meus afluentes são feitos de ribeirões. Sou um rio caudaloso, o segundo maior rio do país, e esse é o meu maior orgulho.

terça-feira, 26 de agosto de 2014

Contemplação (ou Mini-Estórias)

A nossa gente anda por essas ruas, sempre esperando que alguma coisa aconteça. As vezes acontece, as vezes não... As ruas têm um sabor amargo, e te esperam na esquina, prontas a lhe apontar um canivete na direção das entranhas. Nas rubras faces da nossa gente, os desenhos formados pelas rugas da indiferença, que não são físicas. Nos corpos, o dissabor e a ausência de sabor, corpos insossos e insalubres. Mas observamos tudo por essas ruas.

Eu estava caminhando na areia, de pés descalços. Oras, uma vez achei um caco de garrafa imenso e ameaçador. Olhem sempre para os seus pés, tomem cuidado onde pisam, mas não olhem nunca para o chão, não carreguem o semblante dos derrotados. Na areia, o vento formava arabescos, mini-dunas em um terreno não acidentado, e eu perseguia o pôr-do-sol. A areia impulsionada pelo vento ricocheteava em meus pés, meus pés participando nos arabescos, em desenhos que traçam histórias imemoriais, pois que o pó nunca se lembra de quando foi rocha. E eu perseguindo o pôr-do-sol.

Não tenho amigos de infância. Todo mundo que conheço hoje começou sua trajetória em minha vida nos últimos 15 anos, o que é bem pouco. Aos poucos vamos perdendo contato com tudo, nossa cabeça vai dispersando. Essa noite vai ter sol. Vai ter apocalipse também. Venho tentando fazê-los convencer de que são parte dessa obra toda, dessas coisas que andam por aí se digladiando, ultrapassando pelo acostamento. Todos fazem parte de alguma coisa.

Certa feita, conheci um senhor japonês, um velho de velhices que apenas os japoneses atingem. Velhices sábias de velhos que pegam moscas com hashis. Ele contava da época em que imigrara, sozinho, por ser solteiro. Carregando consigo apenas seu rosto lívido de jovem japonês em terra onde apenas a mão-de-obra importava. Importava-se mão-de-obra japonesa, e de quem mais fosse solteiro, sozinho e possuísse jovens braços para trabalhar. Ele olhava galinhas por aí, e não sabia falar o brasileiro. Oras, galinha nenhuma precisa de idioma.

Quando você passa 92 anos contemplando as coisas, você deve saber um pouco mais sobre elas. Sobre tudo o que acontece e desacontece por aí. Sobre o que as pessoas esperam e desesperam. Já demos bolo, e demos tantas outras coisas também. E estamos por aí, continuamos por aí. Acho que não temos muita escolha.

Havia tristeza em seu sorriso. Havia também uma beleza singela, daquela de sorrisos que mais saem dos olhos que dos lábios. Mas assim mesmo era um sorriso. Era ambiguidade, pois que é assim que são todas as coisas tridimensionais, o que não pode ser medido em grandezas físicas que ocupe-se com suas unilateralidades. Sorrisos são ambíguos, e isso é belo. Eu a observava enquanto ela sorria um sorriso triste. Triste e belo.

O sujeito ergueu-se de sua parcialidade lacônica. Subiu em um balcão de madeira e começou a gritar, seus gritos reverberavam em paredes próximas, e em gotas de chuva que flutuavam a poucos metros. Se as chuvas fossem capazes de refletir os sons, os trovões seriam muito mais assustadores. Reverberam também as histórias. E o que podemos fazer, além de simplesmente olhar? Ele estava lá sobre o balcão e gritava. Todos olhavam, absortos agora em seus próprios silêncios lacônicos.

sexta-feira, 22 de agosto de 2014

Comodismo

Atiro pedras em galinheiros por aí, mas nunca saio correndo. Gosto de ver o circo pegar fogo, mas gosto de estar dentro do circo. Onde conseguiste essa pedra tão bonita? Ela é perfeitamente oval, lisa, como aquelas pedras de fundo de rio, moldadas pela correnteza dos anos, por essa afluência vívida que passa por nós dia após dia, nos tornando ovais e perfeitamente lisos.

Qual a razão de sair um dia de onde estivemos? Qual a razão de lutar batalhas perdidas, enfrentando inimigos imaginários? A derrota está dentro de cada um. E quando não há batalha, não há derrota. Podemos apenas sentar à beira do precipício, e parar observando o abismo que se estende verticalmente aos nossos pés. A vontade de pular será imensa, maior que o abismo. E, ah!, que batalhas maravilhosas, nem perdidas nem imaginárias, enfrentaríamos nessa queda. Mas oras, certos saltos de fé não devem nunca ser dados.

Os piores abismos são os horizontais. Aqueles que nos fazem querer mudar tudo, abandonar tudo, nossos relicários acumulados ao longo de vidas inteiras. O mais importante dos relicários é a memória. Para cair nesses abismos é necessário muito mais do que saltos de fé, é necessário abandonar até mesmo os nossos relicários.

Toda atenção é dividida, tudo depende do foco que se dá. É difícil ser bom em tudo, pior é ser excelente em nada. Prioridades e vertentes nunca exploradas, ou exploradas superficialmente, rios caudalosos nunca nadados. E mais importante é o interesse que se dá, mas você tem coisas mais importantes para lidar. Queremos abraçar o mundo todo, com os mesmos braços, e talvez faltem abraços.

Queremos mudar, queremos tudo o que os abismos horizontais e verticais nos têm a oferecer. E estendemos braços em abraços pequena-porção, até que sinta-se o mundo inteiro abraçado. Queremos mudar, mas não percebemos que de fato mudamos, mudamos em pequena-porção, em pequenos saltos de fé, que um dia se tornam abismos, que um dia abraçam e mudam o mundo todo.

quarta-feira, 13 de agosto de 2014

Epifanias Hereditárias

Não se atinge uma compreensão superior da existência sem passar antes por tantos quantos estágios inferiores. A cabeça gira, vai e volta, sobe e desce, e descobre-se a diferença entre tontura e vertigem. Parece falta de ar, ou psicotrópico, epilepsia, quem sabe nirvana. E no fim, é só pensamento, é troca de correntes elétricas nos circuitos do cérebro. Circuitos que podem também sofrer dispneia, alucinação, curto-circuito, e realização.

Nosso sangue está borbulhando, repleto de moléculas de oxigênio indo, de gás carbônico vindo. Mas não somos respiração celular, somos imensos pulmões sintéticos expirando muito mais do que inspirando. Exalando ares moribundos, buscando compreensões inalcançáveis, nirvanas intangíveis. Não acredito em redenção, é sempre bom frisar.

Somos partículas em suspensão, como aqueles pedacinhos minúsculos de poeira flutuando em uma réstia de luz que invade a sala em uma tarde de outono qualquer. Então, em um entendimento repentino, saímos do próprio corpo, e o vemos em movimento, em terceira pessoa. É a mente em suspensão, buscando por si só as respostas que conscientemente nunca podemos nos dar. O problema é estar consciente.

Doenças nunca diagnosticadas são apenas sintomas, são batalhas nunca travadas. Pois que anticorpo nenhum lutaria sem saber o que está enfrentando. Pelo menos não conscientemente. E por isso nossa mente viaja, procura doenças nas quais se apoiar. Epilepsias, dispneias, alucinações e nirvanas.

Estamos aqui para inspirar. Saímos de nós mesmos para inspirar. É o que mantém a vida, afinal. A cabeça continua girando, e buscando suas respostas. Flutua nas réstias de luz que cruzam as fronteiras acima de nossas cabeças, que nossas mentes insistem em cruzar. A cabeça gira, vai e volta, sobe e desce, é tontura e é vertigem. Parece falta de ar. Parece psicotrópico. Parece epilepsia. Parece nirvana.

segunda-feira, 4 de agosto de 2014

Na Maquiagem: Um Sorriso

Passou o chapéu pela plateia extasiada. Vários empunhavam moedas e notas de pequeno valor, fazendo bom uso de seus trocados, em troca do trabalho apresentado pelo homem de faces coloridas e roupa espalhafatosa, que ocupa o centro do palco no qual transformou até mesmo a rua.

Um sujeito mais generoso libera uma nota de grande valor. O homem de faces coloridas faz uma galhofa de quem lhe deu apenas os trocados. E isso é, contraditoriamente, um agradecimento. O homem de faces coloridas caminhou, há poucos minutos, de um lado para outro de seu palco-rua, abordando as pessoas das maneiras mais inusitadas. Um jovem distraído assustou-se de pular. Um pai preocupado o afastou com um chega pra lá.

É mais tarde, e o palco-rua é ocupado por outros artistas. Em minutos de outrora ficaram os gracejos e troças. Em um canto qualquer, em meio a outras atribuições e atribulações, frequentes mesmo nos dia a dias dos que mais sorriem, sentado está o homem. Deve tentar se misturar aos demais quando não está em seu palco-rua, ninguém pode ser a estrela de todos os shows. Mas suas faces permanecem coloridas.

Abraçado está o casal. Ela esconde as faces entre as mãos, ele a abraça em braços retentores de universos. Ela chora copiosamente, ele leva consigo um semblante carregado. Parecem estar brigando, ou o terem feito há instantes, como fazem os casais. Ele a segura carinhosamente, a acalenta. É o pedido de desculpas na tarde de quem já pediu aplausos. No palco-rua, o mundo continua. Na maquiagem: um sorriso.

domingo, 3 de agosto de 2014

Não Sei Mais Escrever

Meros signos para descrever o mundo ao nosso redor. Erigir uma... uma... uma? Qual é a palavra mesmo? Cultura... Sociedade... Humanidade... O que não definir. Erigir essa coisa toda que acordamos para ver todos os dias, para ajudar a erigir todos os dias; apenas porque sentimos um dia a necessidade de dizer uns aos outros qual era a merda que estava ocorrendo dentro de si mesmo. E então o teu coração deixa de ser um músculo com quatro cavidades destinado unicamente a bombear sangue. Sim, porque isso é vulgar demais.

Falemos de como ocupar esse músculo. Pois que deveria ser com fibras, e carboidratos, e proteínas, e essas coisas todas que acordamos todos os dias para viver. Oras, mas não... escolhemos preencher esse músculo com sentimentos. E por essa escolha, pagamos continuamente, erigindo culturas, sociedades e humanidades. Com a vaga intenção de preencher músculos por aí, transformo 15 linhas de conto em página e meia de roteiro.

Comunicar é preciso. Não poderia haver maior inverdade, não que seja mentira, apenas não é verdade. Por vezes, me escondo em um buraco cuja profundidade está exatamente ao nível de meus olhos. Dessa forma vejo o mundo, e as coisas nele sendo erigidas, do nível do chão. Me abaixo, me escondo na escuridão no buraco, e quando volto a me levantar, para ver o mundo do chão novamente, ele muda completa e drasticamente. E isso não resolve.

Essa angústia existencial que não passa, e o seu sorriso sem graça. A vida demora demais para acontecer. No entanto, ela acontece muito rápido. É um complexo e indistinto paradoxo, desses muitos que acordamos todos os dias para ser. A verdade é que não sabemos o que está acontecendo por aí a maior parte do tempo. O que acontece é que estamos alimentando e preenchendo esse músculo, com culturas, com sociedades, e com humanidades. O fato é que eu nunca soube.

terça-feira, 29 de julho de 2014

Sobre Açúcar e o que Fazemos do Mundo que Temos

Nas papilas gustativas carregamos os sabores do mundo, inclusive, e principalmente, aqueles nunca provados. Tantas possibilidades em infinitas combinações. Aromas, temperos, consistências, sabores. Doce, salgado, amargo, azedo, agridoce.

Tenho a impressão de que os melhores amores são aqueles nunca amados. Os melhores mundos, aqueles nunca explorados. As melhores histórias, aquelas nunca contadas. Como se o que nunca sabemos nos atraísse muito mais, sem nem mesmo percebermos. E são tantas também as combinações entre amores, mundos e histórias. No fim, parece tudo a mesma coisa.

Há diversas formas de adoçar a vida, de açucarar o paladar.: Roubando guloseimas abandonadas em festas de aniversário coletivas. Vivenciando tardes de passeios inusitados em parques e museus, com milkshakes adocicados. Em trens carregados de açúcar, cargas que viajam sem que nem mesmo nos demos conta. Todas essas coisas acontecendo à nossa volta. E, vez por outra, nos perguntamos quando faremos parte desses amores, mundos e histórias.

A resposta nunca vem. Porque quando fazemos parte, não percebemos. Mas é como o nosso pôr-do-sol, ele acontece em paletas cromáticas inspiradas, em tons de todas as cores quentes, incandescendo o azul do céu. Porém, tal beleza se justifica pela quantidade exacerbada de partículas em suspensão por nossos ares. Nosso pôr-do-sol é tão belo porque é poluído. Assim são também os nossos amores, mundos e histórias. Assim também é o nosso açúcar.

quinta-feira, 24 de julho de 2014

Do Crepúsculo à Aurora

Se de vastos campos floridos fostes
E concorrestes com outras pétalas
As tuas cores se destacavam

Mas fazer de seu corpo caule?
Serdes plantae não conhecemos
Comparação deveras injusta, pois

Em tua face um sorriso sincero
Que pétala alguma igualará
Nesse teu sorriso um brilho etéreo
Que pólen uno transmitirá

Nem o mais vasto dos campos, flores
Em tanto algum hão de superar
Sois a mais bela das asteraceae
Em qualquer solo a já fulgurar

segunda-feira, 14 de julho de 2014

Legado

No Portão de Brandemburgo, mais de 200 mil pessoas. Na Praça San Martín, mais de 50 mil pessoas. No Maracanã, 74.738 pessoas. No mundo inteiro, mais de um bilhão de espectadores. No espaço, quatro astronautas. A rotina que fica após esses 30 fantásticos dias, é a mesma de antes e depois de todas as copas. De todos os maiores eventos esportivos de cada mundo particular.

Houve muita vibração. Houve muitas lágrimas também, é verdade. Mas as bandeiras agitadas, as caras pintadas multicoloridamente, os sorrisos estampados em cada rosto e olhar do mundo que se virou para esse mundo, são muito mais marcantes. A vibração transmitida pela televisão, pelos telões nas Brandemburgos e San Martíns existentes por aí, transmitida ao espaço, foi sentida nas ruas desse país tão gigante quanto um continente.

No final, em um domingo pacato, em um estádio que já viu mais de seis décadas de história esportiva, um único momento de êxtase para ribombar na eternidade. Apenas um lado celebra a vitória no esporte. Todos os lados celebram a festa. Um poliedro de êxtase e vibração espalhado pelo mundo.

Pela primeira vez na história, três títulos seguidos ficam com o mesmo continente. A Alemanha de 81 milhões de pessoas, e centenária história, conquista o Brasil em 2014. Pela primeira vez, a Europa vence uma copa em terras americanas. A Copa das Copas mantém a continuidade periódica de um triunfo a cada quatro anos, com campeões diferentes nas últimas cinco edições. E termina de maneira tão gloriosa quanto começou. 

É segunda-feira, é 14 de julho. A Copa acabou. O mundo já está se virando novamente para seus afazeres cotidianos. Suas crises econômicas fastidiosas; seus conflitos e guerras periódicas; suas birras internacionais; o espaço. Fica o que existiu, fica o ribombar da eternidade, e esses sorrisos para sempre abertos em cada rosto e olhar do mundo, em cada Brandemburgo e Praça San Martín, em cada Maracanã; quando lembrarem que um dia, no Brasil, em nossas ruas e estádios, existiu uma Copa do Mundo.

quarta-feira, 9 de julho de 2014

All Shall Fade

Somos poeira ao vento. Cópias de outros momentos. Como versos desgastados. Papéis amassados. Castelos desmoronados. Somos verbos reutilizados, na terceira pessoa, e em flexões no passado. Somos essas rimas pobres que insistimos em aplicar mesmo sabendo que nossas poesias ficarão uma porcaria com elas. Somos essa poesias de banheiro de boteco de beira de estrada, nunca lidas e para sempre lembradas.

Sempre disse que luz demais pode acabar cegando. Aos poucos, o brilho da estrela que nos dá a vida é capaz de ir corroendo as retinas, acabando com a magia que ela mesmo cria, derretendo o milagre da construção imagética. Borrando as cores, diluindo matizes, transformando tudo em um único e envelhecido tom de coisa velha e deteriorada. E então podemos dizer que está se apagando.

Está tudo se diluindo dessa forma. Todas as luzes, afinal, foram feitas para cegar. Estamos todos aos poucos sendo verbos, e sendo reutilizados. A longo prazo, a tendência de todas as coisas é se apagar. A longo prazo, a tendência é sempre desbotar. E é o que fazemos, desvanecemos. Somos aquela cor viva que existia antes em determinado objeto que passou tempo demais ao sol. Mas estamos sempre desvanecendo.

Dado o prazo suficiente, todas as criaturas estão assim, desvanecendo; e procurando sinônimos para seu próprio desbotar. Procurando dicionários, e tentando entender o que acontece. Acontece o que acontece a todas as criaturas, e a todas as coisas, e a tudo o que se passa nesse mundo e nos outros: all shall fade. Tudo desvanecerá. Apenas três palavras suficientes para determinar a verdade mais imutável de todas: tudo desvanecerá.

quarta-feira, 2 de julho de 2014

Brasileiro Escapa de Avalanche no Nepal

(texto de outubro de 2012, publicado no portal Bicicleta Amarela)

No último fim de semana uma grande tragédia abalou o mundo, a avalanche no Monte Manaslu, no Nepal, deixando 11 mortos e dezenas de feridos e desaparecidos.

Hoje, trazemos uma entrevista exclusiva com o homem que escapou dessa e de diversas outras tragédias. Marcos Horte estava deitado tranquilamente em sua cama assistindo ao futebol quando ocorreu a tragédia. “Eu moro no Leblon e por muita sorte mesmo essa avalanche catastrófica não me atingiu!”, exalta Horte.

Mas não é a primeira vez que Horte demonstra ser um homem de muita sorte e sobrevive a um evento cataclísmico como esse. No tsunami de 2005 que atingiu a Indonésia ele estava em férias nos Estados Unidos, e por muita sorte não foi atingido pelas ondas. Outra vez foi quando caiu o avião da Air France no Oceano Atlântico. “Nesse dia eu levei meu cachorro pra passear no parque, quase não escapo dessa vez”.

Horte declara já ter escapado com vida de mais de 20 tragédias desse porte. Mas ele tem um concorrente de peso nessa contagem, o empresário Matias Ananias afirma ter sobrevivido ao naufrágio do Titanic no começo do século. “Foi muita sorte eu ter sobrevivido a um desastre como aquele, ainda bem que eu não era nascido”, comemora Ananias.

segunda-feira, 23 de junho de 2014

Capítulo 3 – Eterno Flerte (Somos Uma Aberração Sentimental)

Precisamos conversar. A todo o momento, sem parar, é o que mais precisamos. Precisamos um do outro, e não paramos nunca de falar. Sinto a constância da presença, me ajudando a sorrir, enternecendo essa alma. Criamos um universo próprio, onde o mundo gira ao nosso favor. Girassóis enfim estão naquela nossa mesa, onde paramos um dia para delirar.

O que somos é um eterno flerte, de eternos olhares cativantes. De compromisso controverso, cantado a ventos particulares. Na rotação de um sol particular, que gira parado, vejo toda essa beleza verter em flor, e todos esses raios em um brilho a esvanecer. As madrugadas não têm graça sem você. É estranho ser ausente mesmo com tanta presença.

Mas seria melhor apagar esse sol? Matar essas flores que giram em seu próprio caule? Seria melhor destruir essa coisa magnífica que cultivamos dentro de nossas cavernas? A dúvida destroça sentimentos, arrebenta vontades, lacera as intenções. Nos sentimos oprimidos pela vida, em nossa solidão compartilhada. E conversamos sobre isso, e sobre todas as outras coisas que precisamos conversar. É tudo tão singelo!

Mas não devemos deixar de assim ser, é injusto precisar perder. Eis que sentimento nenhum precisa ser recíproco. Digo que te quero bem, e isso basta. Ouço que bem me quer, e isso basta. Pois que assim deve ser, o querer por si só, o gostar suficiente, sem cobranças ou faltas. E nos queremos bem, nos autorizamos a gostar, nos entendemos em nossos gostares. Afinal, gostamos do que somos, e somos, e continuamos a ser, uma linda aberração sentimental.

terça-feira, 10 de junho de 2014

Capítulo 2 - Encantadora

Todos aqueles aos quais é permitido uma vez verem a glória, devem ter consigo para todo o sempre de tal feito a lembrança. Por vezes a lembrança há de não ser suficiente, pois que se deseja mais, a manutenção da glória. Estou viciado na glória. Estou viciado em você.

Parada no tempo, a noite voltou a correr pouco depois. E que tempos foram aqueles? Tempos de auroras programadas em etilismo vinícola. Com o amanhecer daquela noite, com os primeiros raios de sol de tão brilhante estrela, com a primeira e mais magnífica aurora dos novos tempos, vieram tempos de uma luz encantadora.

Sou arqueólogo encontrado, em sítios anciãos, que relembram vidas perdidas há muito tempo. Vidas que deixaram marcas. E o que somos além das marcas que deixamos? Quero saber cada vez mais sobre essas pinturas rupestres, que nunca param de surpreender, estuda-las. E elas trazem sempre uma peculiaridade nova e ainda mais encantadora.

Poesia, astronomia, filosofia, tudo é muito apaixonante. E o que fazemos dessas coisas, ainda conversamos com estrelas, sejam elas solitárias ou não. Ainda escrevemos e reescrevemos, sejam esses escritos para o mundo ou não. Ainda discutimos rumos e progressos, planejamentos e projetos inacabados. De maneira sempre encantadora.

Sois a mais linda das Asteraceae. Semeado. Colhidos. Encantadora.

quarta-feira, 4 de junho de 2014

Capítulo 1 - Uma Noite que Parou o Tempo

Era uma noite trágica que engolia a si mesma, de forma autófaga, com ventos quentes amplificando o barulho cálido da juventude frenética. Jovens passavam com seus copos insanos, embebidos nesse néctar que tem o poder de distorcer a consciência e a realidade, que nos faz mais fortes e mais fracos do que geralmente somos. O ar estava quente, a noite estava quente, os jovens estavam quentes, o mundo estava frio.

Nunca sabemos o que nos espera após a curva de cada esquina, após a virada de cada ponteiro do relógio, após as cercas de metal de cada bar. Vagando por sítios arqueológicos anciãos, procurando lindas pinturas rupestres servindo como um rudimentar design de interior para gélidas paredes de pedra. Observando o infinito além da escuridão alimentada pelo excesso de luzes no chão, procurando por lindas formações que permeiam os grandes vazios universais há muito mais tempo que a nossa existência.

Assim, a noite tendia ao fim, como fazem as coisas lineares. Estava fraca e decrépita, frustrante é verdade. Jovens animados continuavam com seus copos cheios e vazios ao mesmo tempo, chacoalhando suas almas para lá e para cá, ao ritmo do emaranhado de vozes que emanava da coletividade em ressonância melodiosa. Um copo meio cheio ou meio vazio é sempre ambos.

Mas fevereiro é mesmo o mês mais lindo. Um caminhar interrompido, uma guinada inesperada, um chamado de uma força desconhecida qualquer; trazido das profundezas das menores partículas, que comandam com seus movimentos os futuros de todas as coisas. Sim, como se tudo estivesse assim pré-agendado. E ares de boteco uma vez mais, uma névoa que sobe, como vapor vindo de tanto calor das almas daqueles jovens. E aqui estamos, como que magnetizados, olhos nos olhos.

Parado em volta está o resto do mundo inteiro, com seu subitamente desinteressante caminhar. Surge um recipiente do nectarício distortor da realidade. E então a realidade se distorce de forma ainda mais intensa em esmeraldas magnéticas, de pinturas rupestres em lindas formações, que escrutinam as gélidas paredes de pedra dos vazios universais. Os pios das corujas estão suspensos no ar; o arrastar das criaturas caminhantes para; o vapor que subia está estático; a confluência dos rios está interrompida; os jovens todos estão subitamente inertes; tudo está calmo. Tudo está fixo nessa noite que parou o tempo.

segunda-feira, 26 de maio de 2014

Limites do Saber e da Vida

Todo mundo acreditava estar certo o tempo todo, era a geração da certeza. Os antigos é que estiveram errados, eles faziam guerras, e guerra é errado. Oras, os caras faziam guerra desde que o mundo se estabeleceu, e aqueles primeiros átomos começaram a brigar entre eles, em explosões intensas de brilho e calor. E foi assim durante quase todo o tempo. As nações viviam em margens de paz, e as pessoas andavam pensando no progresso intelectual como nunca antes. O mundo era menos hostil.

Nossos avanços tecnológicos evoluem à medida que a própria vida evolui. Somos levados a supor, a maior parte do tempo, que a nossa mente e capacidade intelectual são infinitas, e podem atingir qualquer nível de conhecimento, mas ainda não sabemos onde está esse ápice. E ainda estamos deveras longe de atingi-lo, evoluindo tão lentamente quanto agora.

Acontece que qualquer sistema baseado em um crescimento linear e infinito é simplesmente insustentável. Nada que consome algum tipo de combustível para crescer pode ser infinito, a menos que esse combustível também o seja. O saber utiliza o próprio saber como combustível, alimentando-se de si mesmo sucessivamente, de modo autófago, porém não destrutivo. Mas assim ele se torna uma grandeza cíclica, evoluindo apenas até o limite no qual ele tenha saboreado o mesmo tanto de si mesmo, em progressão geométrica.

De certa forma, o conhecimento pode ser acumulado e passado de geração para geração da criatura humana. Contudo, uma parte desse saber sempre se perde nas imperdoáveis masmorras do tempo, com aquele sábio ancião que não transmitiu sua experiência; com aquele brilhante cientista incapacitado cedo demais; com aquele grupo de estudos que não chegou a resultado prático nenhum. Precisaríamos viver eternamente para que o acúmulo de saber pudesse ser aproveitado. E nada muda o fato de que precisamos morrer.

Individualmente, somos títeres de interesses maiores, dos interesses da espécie como um todo. Coletivamente, somos criaturas sem individualidade, como gotas d’água apenas completando o oceano. Somos meros acúmulos de moléculas, meros agregados de proteínas, originários daquela primeira proteína que, lá na sopa primordial, resolveu um dia sintetizar RNA. A vida é nada sem saber, e não podemos o ter por completo, podemos apenas acumular partes dele. Podemos ter uma perna de conhecimento, um braço de intelectualidade, um abdômen de sabedoria, um tórax de inteligência. Nunca teremos um corpo inteiro, nunca teremos moléculas suficientes.

quarta-feira, 21 de maio de 2014

Eu Sou Um Desastre Natural

Algumas pessoas têm em seu interior um lindo sol de primavera, brilhando por sobre as verdes pradarias onde alegres coelhos correm, com montanhas de cumes gélidos ao fundo, e tendo imponentes carvalhos e outras árvores frondosas como moldura. Então esse sol se põe em uma paleta de cores única e magnífica, deixando os rastros de seu brilho no céu azul durante horas. Outras pessoas apenas chovem.

Ventamos a 160 quilômetros por hora, destelhamos residências, derrubamos as árvores. Somos o vento contra o vento. Explodimos em lava, conservando a particularidade de um momento infinito em rochas ígneas. Somos o fogo contra o fogo. Somos a tempestade, a calmaria, a verdade e a utopia. Somos a terra furiosa, que chacoalha convulsivamente, derrubando tudo o que for fraco o suficiente para não suportá-la. Somos a terra contra a terra. Derretemos com o calor implacável, e nos derramamos em água nos oceanos, subindo com suas marés. Somos a água contra a água.

Somos a natureza contra a natureza. Somos cada microcosmo de caos. Cada pequena partícula se deteriorando e arrastando para baixo todas as partículas ao seu redor. Somos a entropia ao contrário, perdemos calor, nos agitamos e bagunçamos o sistema. Somos cada um dos pequenos e magníficos desastres que assolam a existência de todos os dias.

Enchemos de magma as verdes pradarias, trememos e rachamos as montanhas dos cumes gélidos, derrubamos os imponentes carvalhos com a força de nossos ventos, afogamos os alegres coelhos com o excesso de nossas águas. E sobra o sol. O sol continua se pondo através de um cenário de desastre. Com suas cores únicas, com suas formas magníficas. Com seu brilho se arrastando pelo céu azul durante horas. Então para de chover.

terça-feira, 13 de maio de 2014

Saudades

Sou realmente um saudosista inveterado, daqueles que usam constantemente o presente para pensar no passado, e planeja o futuro em vista do mesmo. Daqueles que aprendem que a memória nos serve apenas para que evitemos levar novas pedradas. Para que aprendamos com o erro outrora praticado, e que passados nunca sejam futuros.

Sinto deveras saudades. Mas então penso que não, que não as sinto, que deixei de senti-las exatamente por senti-las tanto. Sendo tudo isso só saudades, onde está o presente? Acontece que preenchemos os tempos que não temos com os tempos que um dia tivemos. Apenas sentimos saudades porque temos ausência de presente. E nenhuma perspectiva de futuro, além daquele que nossa própria visão de passado projeta.

Torno-me mais complacente em relação às formas de atuação da vida, e um pouco menos atuante em relação à complacência do universo. Torno-me também menos vívido, e mais límpido, porém maculado. E a vida é infinita dentro dela mesma, de prêmios conquistados a derrotas pré-concebidas. As mesmas vitórias e derrotas de outrora.

Fatos extraordinários, quando repetidos costumeiramente, se tornam eles a rotina. Aprende-se a levar pedrada. Acostuma-se com o sofrimento, e assim o sofrimento deixa de sê-lo. A pessoa é para o que nasce, e isso aqui já foi dito, e há que com isso se acostumar. Só se frustra quem se dá motivos para tanto.

Por isso tudo, a complacência adquirida se torna tão importante, ela mantém firme a memória, a ausência de passados e de pedradas. Ela mantém também intacta a empolgação pelo prêmio adquirido. Prêmio já cravado na memória e no passado. Para que sejam todas saudades, para que preencham os buracos de nosso presente.

domingo, 4 de maio de 2014

Refração

Tudo pode ser invisível. Cegueira é apenas ausência de luz. Não quero enxergar! Não me deixem enxergar! A noite, no escuro, quando apenas a Lua brilha, um brilho reflexo, e as estrelas piscam vagamente na profundidade; o mundo nos implora por um pouco mais de tempo para resolver esses problemas que as coisas que orbitam e são orbitadas têm.

Então viajamos, rodamos a noite e à noite. Cortamos auto-estradas, e relembramos o tempo em que estivéramos perdidos. Tempos remotos, vagos como o brilho das estrelas, que nos atingem tantos milhões de anos depois de terem de fato brilhado. Podemos agora mesmo estar perdidos nos canaviais do tempo-espaço. E poeira se levanta, nos atinge internamente, se acomodando nas paredes de nossas fossas nasais, como se aquele fosse seu lugar de direito.

Cortamos auto-estradas de chão batido, de pedras e de pó, em busca de um objetivo, vago ele também. A poeira carrega o ar com um cheiro de bucolismo, de austeridade serena. É noite, é escuro, é poeira. Faróis seguem na direção oposta. E sabemos que nosso vago objetivo diminui ainda mais, cai dentro de si mesmo. Mas seguimos, com os faróis cortando a poeira, representantes de uma fonte luminosa, essa sim invisível.

Os faróis não param de vir. Cortam a poeira, difusam, divergem, refratam. Nos atingem através das nuvens de pó que pairam sobre a auto-estrada, nesse escuro entremeado de luzes. Iluminando a poeira, e nada mais. Como diria um autor, para epílogo de breve relato: O que tiver luz não me pertence.

segunda-feira, 28 de abril de 2014

Aparando Arestas

Ou Tirando Rebarbas, também seria um título condizente. Sou péssimo com títulos, nunca sei o que colocar nas letras que pairam acima do resto dos textos. Mas sei que neles odeio artigos, procuro evitá-los sempre. Me utilizo de substantivos, adjetivos, verbos, palavras unas enfim. Artigos são limitantes, denunciantes, rotulantes, o, a, os, as, e todos os mais.

É sempre muito difícil dizer precisamente o que se sente, com todas as palavras corretas. Você tenta uma aliteração, e ela sai parecendo uma metonímia. E todos os teus eufemismos parecem hipérboles. É difícil definir o que são as coisas, o que são os sentimentos, quando eles nada mais são do que aquilo que simplesmente não pode ser definido.

E se tudo o que deixamos de dizer por não poder fazê-lo, ou por ser difícil demais (no fim das contas, eu odeio a palavra 'difícil', ela é nada sonora e ainda difícil de escrever, e sendo difícil de escrever ela é uma das poucas palavras que é o seu próprio significado). Mas se, enfim, todas as coisas que nunca dizemos, acabassem se acumulando em pitorescas caixinhas imaginárias, como relicários intocados, e não intocados por estarem muito bem escondidos, mas apenas por não existirem. Se lá se acumulassem para que um dia fossem ditas, assim, de supetão?

Se pudéssemos escolher o momento apropriado para tocar a alma das pessoas? Ou para destruí-las, oras, pois que é sempre uma opção... E esse momento não precisa ser apropriado, ele apenas deve acontecer. Em tempos hipermodernos, em que falamos do tamanho das almas, e de seus conteúdos ou falta dele, e logo depois falamos de cartões que por aí já estão voando; temos métodos para isso. E nossos métodos são a protelação, o deixar para depois. Mesmo o falar sendo tão importante.

Dessa forma, acredito que deve haver um momento na vida de cada sujeito, no qual ele deve parar e aparar algumas arestas. Acredito também que há sempre um momento na vida de cada sujeito, no qual ele sabe que a morte de fato chegou e não tem mais volta. Ele pode saber isso com uma grande antecedência, ou apenas milésimos de segundo antes. Se a antecedência assim permitir, essa então deve ser a hora de tirar algumas rebarbas.

quarta-feira, 23 de abril de 2014

Dezessete Cartões

Vivemos tempos hiperbólicos, pós-modernos, estrambólicos, hipermodernos, neologistas. Nos condicionamos a pensar estrategicamente em aceleração, pensando em diversas plataformas de tempo-espaço de uma só vez. Escrevemos por aí nossas opiniões, vontades, desejos; em telas piscantes, iluminadas por pequenos pixels em constante mutação para a formação de letras digitais e, não menos, fictícias.

Por isso mesmo, escrevemos menos de forma física, caneta no papel. A expressão caligráfica de nossas opiniões, vontades e desejos. Demora mais, a compreensão é dificultosa. Mas foi assim que de fato aprendemos, para depois apenas mudar de plataforma.

Então pode parecer retrógrado, pode parecer arcaico, mas pode parecer também belo e singelo, mas lá se vão dezessete cartões-postais. Número não cuidadosamente escolhido, pelo contrário, extremamente arbitrário, apenas a junção de um mais um mais um ao total de dezessete. Oras, o número que leva meu gato à minha perna, e vez por outra perguntam o porquê, e é apenas um número bonito.

Dezessete cartões postais, nas próximas semanas sendo entregues. Temática nenhuma, apenas temática cartão-postal. Cartões-postais que levam em sua face estampada uma imagem histórica da Cidade Símbolo, e levam em sua face oposta uma poesia pequena, três ou quatro versos. Nenhum tendo relação concreta alguma com os outros: poesia, imagem ou destinatário; apenas a junção desses fatores postos também arbitrariamente.

Enfim, posto o pressuposto, dezessete cartões-postais, escritos à caneta em expressão caligráfica, para dezessete destinatários, contendo dezessete imagens e dezessete poesias. E que serão entregues nas próximas semanas.

sexta-feira, 18 de abril de 2014

A Joaninha

Ninguém pergunta aos céus o que acontece nas abafadas tardes de Curitiba. Só queremos saber dos dias chuvosos e tristes, padrão complementar do gosto dessa capital mais alta e mais fria (e, controversamente, mais europeia) do Brasil. Andamos por aí, com o sol nas cabeças, esperando que o tempo melhore, e, vez por outra, esse mesmo tempo deve ser o assunto que permeia o nosso contrato social e as amenidades das conversas.

Sendo assim, em veículos coletivos automotores, o tédio da viagem por vezes cria parcerias pouco conexas, e insípidas à primeira vista. Oras, pois que são os ônibus os melhores lugares para amar. Para que o amor seja eterno apenas durante aqueles quarenta e cinco minutos de viagem, do Pinheirinho ao Santa Cândida, do Centenário ao Campo Comprido, do Colombo ao CIC.

Duas figuras de avançada idade sentam-se lado a lado às minhas costas, com toda a carga e história do mundo às suas costas. Amenidades aqui e acolá, e “como pode esse tempo ser tão louco?”, para que venham assuntos mais complexos, mais bem desenvolvidos. E “oras, eu também fui militar”. Duas partes de uma mesma conversa, feminina e masculina, somadas suas idades, quem sabe?, quiçá um século e meio ou mais.

Uma joaninha pousa em meu cabelo. Um desses tantos animaizinhos praticamente insignificantes perante nossa auto proclamada magnitude e importância no universo. Vermes insolentes, mal sabem que cada joaninha é mais importante que a humanidade inteira. Dessas criaturinhas que entram em ônibus sem perceber e sem saber qual rumo tomaram, e para qual tipo de trás ficou a sua outrora casa, se é que disso eles precisam e têm.

A parte feminina da conversa se oferece para expulsá-la de meus cabelos. Lá se vai a joaninha com o vento, em busca de sua casa perdida. A conversa continua e desenrola, presto atenção furtivamente, roubando cada verbo e substantivo para o meu deleite particular. As palavras proferidas pela dupla anciã se alojam em minha mente, e me fazem acreditar em qualquer coisa de belo nesse mundo.

Os pneus do ônibus cingem os asfaltos do tempo. Estamos em 1960, 70, 80, passamos por décadas a fio nas ruas curitibanas, enquanto os idosos transportam suas histórias para o insensível 2014. Senhor e senhora parecem ter tanto em comum, mas... e não são assim todas as pessoas, explorados os pontos corretos? Não, de fato não são. Somos todos tão diferentes quanto dizem nossas íris e nossas digitais, e diriam nossas zebras se as tivéssemos. Não existem coincidências.

No fim todo tubo (íris, digital e zebra curitibana), se aproxima; e é disso que são feitos os ônibus nos asfaltos. Toda conversa tem um fim, pois que fim todas as coisas têm. No entanto, aqueles verbos e substantivos alojados em minha mente, vivem eternamente. Eterna mente. Todas as coisas que um dia existem, existem para sempre. Cada velhinho para um lado, a parte masculina antes, a feminina dois tubos depois.

Talvez nunca mais se encontrem nos ônibus, ou mesmo nas ruas, curitibanos. Mas oras, para quê mesmo deveriam? Esse encontro singular é mais do que suficiente para que todas as suas vidas tenham valido a pena, pelas histórias transportadas, e mesmo que lembrados unicamente através dessas palavras que cingem os asfaltos do tempo.

quarta-feira, 2 de abril de 2014

O Tamanho da Alma

Tenho a impressão de estar sobrando cada vez mais espaço no interior dessa alma. Talvez ela esteja mesmo aumentando de tamanho, sem se preocupar em elevar o conteúdo. Ou talvez ela esteja simplesmente esvaziando, como uma piscina de quintal - naqueles tons azuis falhos imitadores de oceanos, mas com rosto, cheiro e até mesmo gosto de infância, - contendo um furo imperceptível, o qual nunca conseguimos remendar.

Acredito sermos do tamanho daquilo que carregamos conosco. Do tamanho de nossas bagagens. De nossas angústias, medos, anseios, vontades, culpas, resoluções, e tantos quantos mais substantivos masculinos e femininos, próprios e impróprios, sejam possíveis enumerar. Somos do tamanho de tudo isso.

Pelo peso, tentamos uma vez medir, tentamos uma vez delimitar em convenções humanas. Vinte e um gramas foi o resultado, deveras uma brisa, apenas categoria peso pena nas contendas universais pela vida ou pela morte. Em morte, vinte e um gramas a menos. E uma alma mais à deriva, sem nenhum recipiente a ocupar.

Mas em que tamanho estão espalhados esses vinte e um gramas? Assim, é necessário avaliar qual seria a densidade demográfica da alma. E cogitar também se podemos alimentá-la, melhorando assim sua performance perante os pesados fardos da vida. Forrando o espaço vazio, como forramos nossos sistemas digestórios; como forramos nossas horas com tarefas; como forramos nossas vidas de momentos sequenciais, que buscam todos meramente forrar o vazio de nossas almas.

Para medir o tamanho de nossas almas, não devemos medir por tudo o que tem dentro dela. Mas sim, devemos medir pelo tanto de coisas que ainda cabem. Por tudo o que ainda falta, e pelos substantivos ainda não utilizados. Não se pesa em corpo morto, porque mesmo que se acerte o peso, ela não está mais ali. Se pesa em corpo vivo, em tudo o que fazemos e vivemos. Pois que a alma.. a alma pode ser infinita se assim ela quiser. O desafio é preenchê-la.

quarta-feira, 26 de março de 2014

Sobre Ficar Maluco

Não são nada malucos esses nossos tempos. São, por outro lado, extremamente comportados. Cada geração tenta ser mais a geração perdida, e louca, e mais drogada que a geração anterior. Isso só funcionou até os anos 80. Os ídolos dos anos 90 eram um bando de fracassados, e nós somos os perdedores dos 2000.

Antes, quando os aviões não povoavam os céus, e nem sumiam dos radares, era possível ser um andarilho maluco, e caronear toda uma extensão de terras em busca de uma terra para a qual você não sabia que estava indo. Se desconfia de todo mundo hoje. São todos bandidos que vão roubar seu maravilhoso carro moderno e sua carteira recheada de desilusões. Mal sabem que estão sendo roubados de seus bens mais preciosos: o próprio tempo.

Antes, era possível ficar maluco e dar um tiro na cara de alguém. Hoje temos a doença dos mal-acabados, aqueles que continuam se acabando por toda a parca vida. As pessoas ficam malucas, e são encerradas em prédios brancos, de alvuras crônicas. Mais crônicas que suas próprias doenças. E lá ficam escondidas da sociedade, ou do que o valha. Se antes você ouvia vozes, era exposto para ela, e queimado numa majestosa fogueira.

Perdemos toda a magia ao longo do caminho, com restrições burras que impomos a nós mesmos. Não podemos mais ficar malucos e encher o corpo de drogas, porque hoje as drogas servem exatamente para curar a tua mesma maluquice. Não podemos abandonar tudo e sair por aí com uma sacola e a vontade de transformar esse mundo imenso em nosso quintal. Não podemos nem mesmo ficar malucos...

domingo, 23 de março de 2014

A Tristeza é a Coisa Mais Linda

Acho muito lindo quando um amor vira ódio. Pois que a vida é feita desses opostos, de peixes que sobem rios, enfrentam correntezas, sabendo que é ela que vai ajudar na futura existência de sua prole. De acasos que se tornam recorrentes. De saltos para precipícios imaginários. Mas sou um peixe que não gosta de água, e isso ninguém me tira.

Devemos acreditar a todo o tempo nessa angústia que floresce, que permeia nossa existência. A tristeza é uma coisa tão linda. Mas não alimentem os animais, e deveria haver uma placa dessas pendurada em cada coração. Não devemos desejar nada que não seja de verdade, não devemos alimentar falcatruas e inexistências, não devemos nos precipitar. Nos precipitar é nos tornar em precipício.

Mas nunca mais amei, e isso é terrível, nem falcatruas nem inexistências, nem nada parecido. Ainda frequento sonhos alheios, devo frequentar, ainda acordo sorrindo, sabendo que por 15 minutos foi recíproco, e foi exatamente isso que destruiu. Sentimento algum precisa ser recíproco, se ele existe por si só. Reciprocidade sim é falcatrua e inexistência.

Ainda acho que genialidade é mero acaso social, fruto de companhias recorrentes, e sendo assim nada do que se faz, sentido faz. Fazia de tudo, menos sentido. Não acredito em redenção, se nos perdemos uma vez, tudo está perdido para sempre, mesmo que recuperemos alguns pedaços. Ainda quero conversar com o cara que fez a vida assim tão triste.

sábado, 15 de março de 2014

Project Mayhen

Onde estão as nossas mentes? Todos nós estamos gradativamente nos destruindo, a todo momento. Acelerar o processo nada mais é do que parte do processo. Somos acondicionados a acreditar que temos controle sobre nossas vidas. Oras, a matéria orgânica não é muito de escolhas, ela segue sempre o rumo que as possibilidades oferecem, conforme a corrente.

Essa é a sua vida, e ela está acabando a cada minuto. Escorrendo de suas mãos, como grãos de areia fariam se algum dia você tivesse sido capaz de destruir castelos. Não destruímos de propósito nada do que temos, e construímos nossos castelos acreditando que eles durarão para sempre. Pois bem, vez por outra uma invasão, dos persas ou de bárbaros, vem e acaba com tudo o que você tinha.

Acreditamos viver para sempre, achando que o que fazemos pode perdurar. Todo grão de areia já foi pedra, e, no entanto, ninguém nunca saberá dizer qual pedra cada grão era, e de qual castelo teve a oportunidade de fazer parte da estrutura, quando em sua condição de rocha sólida e viril. Eu sou o castelo desmoronado do Jack.

Auto-destruição nada tem a ver com batatas fritas. Nada tem a ver com se embriagar uma vez por semana e acreditar ser alcoólatra. A maior parte do tempo, estamos apenas exagerando nossas próprias dores. Somos o centro de nossos universos particulares, aqueles para os quais ninguém mais dá a mínima.

Não somos lindas supernovas explodindo para maravilhar criaturas auto conscientes, somos meras combustões de cabeças de palitos de fósforo, que quando se apagam não fazem falta. Somos cansaço acumulado ao longo dos anos, como rochas sedimentares. Podemos morrer a qualquer momento, a tragédia é que isso nunca acontece.

terça-feira, 4 de março de 2014

Pede Quem tem a Oferecer

Triste estava a Gralha cabisbaixa, azul e triste como sempre, em céus azuis de nuvens brancas. Um sujeito de olhar perdido aporta, encara cada passante e cada ficante, mas sem a coragem de verificar a profundeza dos olhos deles. É necessário um bom tanto de coragem para encarar olhares.

O homem balbucia, expressa um certo tipo de pânico levantando as sobrancelhas repetidamente, um pânico da vida, de tudo o que a vida teria a lhe oferecer, porém puxou as mãos na hora de entregar. É um comportamento típico, oferecer para depois negar, estender a mão apenas para puxar no momento em que esta será segura. E é assim que a vida faz com todos que ousam precisar da ajuda dela.

Quem estende as mãos é o homem, mãos em concha, de sedento no deserto implorando por água. Muitos passam, a Gralha continua seu voo, muitos recusam aquelas mãos. Todos recusam. Aporta então uma mulher, não uma dama distinta da sociedade, apenas distinta por exclusão, sem damices, dessas que as vidas e as mãos também recusam. Ambos levam muito em comum, criaturas da raça humana, dessas que precisam solicitar à vida, dessas que estendem as mãos em concha.

Ironicamente, em ato involuntário, o homem estende as mãos em concha para a mulher. Eles parecem não se entender a princípio, ele apenas balbucia sem sons, ela fala de maneira ininteligível, trocam espasmos sonoros por alguns segundos. Ela enfim puxa do bolso uma moeda de valor corrente, e a deposita em suas conchas. Ele sai contente pela primeira arrecadação do dia, e vinda logo de quem, de quem também tem pedires.

quarta-feira, 19 de fevereiro de 2014

Poesia Trilíngue

If my heart could speak spanish
Yo podría hacerte una canción
But I can barely speak english
E o meu português tão fraco é
That even joining os dois idiomas
No podría decirte lo hermosa que eres
But my heart can learn a bit
Aprender de su corazón
Compreender tanta beleza
Y que usted es en sí la canción

segunda-feira, 17 de fevereiro de 2014

Formatura

Formação é um conceito continuado. Não começa e não termina, é cíclico e é para toda a vida. Não se nasce assim, e nunca se o é por inteiro. Não foi uma primeira opção, antes disso houve três anos sem Geografia ou Jornalismo, trabalhando e estudando coisas tão geográficas ou jornalísticas quanto física quântica. Preparando-se, para o que quer que viesse.

Três anos em stand-by, esperando a melhor hora para voltar a tentar realizar propriamente esse negócio de ser alguém na vida, por conceito mais estúpido que esse pareça, e que de fato é. E então eis que surge no caminho a melhor turma possível. O destino, ou qualquer força que o valha, que controle ou descontrole o universo e as coisas dentro dele; tratou de reunir as melhores cabeças no mesmo ano, na mesma sala da mesma universidade. Uma conjunção perfeita de fatores, que juntou a melhor turma para a qual muitos de nossos mestres repetiram terem dado aula em anos, ano após ano.

Um discurso bem realizado, homenagem justa e justíssima aos integrantes de tal turma. Borlas que desfilam, e véus, e becas então, e balões que estouravam de tempos em tempos. Que caminhadas foram aquelas!, por um corredor entremeado de coadjuvantes nessa trajetória, e protagonistas das suas próprias histórias, nas quais os coadjuvantes somos nós. Gritos e saudações, e esteve lá todo mundo que precisava estar. Nos dois lá's. E danças, até que as madrugadas possam nos dizer que o tempo basta, e uma hora ele basta. A valsa... deveras valsa, tens razão.

Agora, apenas fim, apenas começo. O fim de um ciclo marcado por uma sequência de eventos, a borda de um círculo marcando o início de outro, sem linha limítrofe específica. Tudo junto em uma coisa só, inícios e términos, pois que são ambos uma coisa só. Acaba a faculdade, enfim jornalistas, encomeço jornalistas, pois que aqui não há fim, eternos começos.

A vida aos poucos se esvai de nós, tal qual um punhado de areia nas mãos em concha; e a nossa parte nesse espetáculo grandioso é nenhuma mais que viver, que nos fazer crescer, que formar continuamente. E assim aproveitar o título que obtivemos, que conquistamos merecidamente, através de tão inúmeros percalços, que tal turma gloriosa realizou obstinadamente. Aproveitar o ciclicismo e os enfim encomeços. Aproveitar tudo o que quer que possa ser chamado jornalismo.