Um dia o tempo
parou, e então deixou de ser dia, já que dia nada mais é do que uma forma de
mensurar o tempo, logo sem tempo sem dia, tudo ficou estático e as coisas
deixaram de ser e de acontecer. Ninguém previu aquele momento chegando, pois o
tempo nem mesmo começou a passar mais devagar, ele simplesmente parou de uma
hora para a outra. Porém as pessoas sentiram aquilo, tinham consciência, sabiam
que havia algo de errado, afinal como consequência imediata a Terra parou de
girar! Os animais e tudo o mais que vivia também tinham consciência, ainda
tinham uma espécie de livre arbítrio, podiam se mover e fazer o que quisessem,
mas durante todos os instantes em que o tempo ficou parado todas as coisas
animadas que se arriscaram a interagir com algumas determinadas coisas
inanimadas, tocando-as ou coisa parecida, simplesmente desapareceram sem deixar
vestígios, assim como os objetos interagidos. Explodiram em energia.
Encontraram sua antimatéria.
Depois de vários instantes, que
ninguém nunca soube dizer se duraram alguns segundos ou uma centena de séculos
no que seriam as antigas contagens, o tempo voltou a correr, porém para trás. O
tempo estava voltando. Claro que esses antes de parar foram os últimos tempos,
afinal se alguém chega até o fim de uma viagem e começa a voltar, os últimos
passos de sua viagem foram dados naquele ponto mais distante em que esteve.
Teorias borbulhavam, claro que muita gente explodiu, mas alguns dos cientistas
que sobreviveram tentavam explicar, era alguma tramoia do universo, taxa
crítica de expansão, big crush, fim dos tempos, whatever.
A razão da velocidade relativa a qual o tempo estava voltando era a mesma de
quando ele ia para a frente, a Terra demorava 23 horas, 56 minutos e aqueles
segundos lá para dar um reverse rotation completo.
O que importa é que ninguém queria
saber de teorias, queriam explicações. Como previamente informado, as coisas
vivas não foram diretamente afetadas, as árvores ainda cresciam e ninguém nunca
morreu antes de nascer, mas a vida se tornou algo entre estranhíssima e
inviável, afinal as coisas antes feitas se desfaziam, e as coisas antes
desfeitas se refaziam. Muitos alimentos precisaram deixar de ser comidos, eram
direta ou indiretamente coisas vivas também, ou que pelo menos um dia haviam
experimentado a vida, mas ninguém nunca soube explicar porque só alguns
explodiam os estômagos alheios. Adaptabilidade? Evolução das espécies?
A medicina não podia fazer muita
coisa, nenhum médico se arriscava a bisturizear alguém, pois o objeto poderia
derreter-se subitamente em suas mãos e voltar a ser matéria-prima. Nenhuma
chapa de X-Ray foi tirada outra vez, pois as ondas faziam aleatoriamente
o caminho contrário, em direção à máquina. Claro que ossos quebrados se
recompunham, mas à mesma razão que antes, à razão que o corpo vivo conseguia
suportar sem pinos derretendo em seu interior. Aliás todos que algum dia
tiveram algo handmade substituindo qualquer coisa de natural, ou
tornando algo supra natural, sentiram seus corpos queimando e incrementaram as
estatísticas. Nada mais se decompôs, os vivos agentes decompositores ainda se
alimentavam, mas os corpos mortos se recompunham.
Quando uma coisa viva nascia, e pela
primeira vez respirava, sentia um ar mais limpo a cada segundo, as partículas
de sujeira e poluição voltavam às chaminés, se refaziam ao fogo que queimava
para trás, se refaziam em matéria sólida. Nenhum veículo automotor voltou a
funcionar, nem mesmo os movidos a biodiesel, pois o bio do diesel já era tão
sintético naqueles últimos tempos que deixava de ser bio. Se algum carro era
ligado a energia desvirava fumaça, o combustível desvirava energia e voltava
pro tanque, nada rodava.
As culturas se desescreviam, se
despintavam, se desesculpiam, se desfilmavam, à mesma razão que eram antes
criadas agora se descriavam. Ao princípio foram as contemporâneas, depois as
modernistas, romancistas, e assim inversamente proporcionalmente
cronologicamente por diante. As pessoas ainda aprendiam, mas o que havia para
ser aprendido minguava, alguns séculos antes só sobrou a Byblos para ser
lida. Os linguistas se viam envoltos em névoa, como afinal poderiam conjugar
seus queridos verbos já tendo acontecido todas as coisas que ainda estavam por
acontecer? As cores também se desfaziam, e tudo que em um momento qualquer foi
pigmento de sapo voltou a ser pigmento, porém there was no sapo. Nada
nunca ressuscitou.
Cacos de vidro de todo o mundo
uniam-se novamente no que haviam um dia estado copo, janela, bailarina de
vidro, ganso de enfeite e tudo o mais que algum acidente, imprudência ou
distração desutilizou. Era um espetáculo ciclópico os cacos alçando vôo para os
lugares de onde tinham caído e juntando-se peça a peça. Claro que, por estar
revertorizado o tempo, os vidros logo se desfaziam em areia.
A engenharia também sofreu, prédios
inteiros deixavam de haver, pareciam corpos sofrendo o que um dia havia sido
conhecido por decomposição, que como previamente informado é um ato biológico
já não mais existente nas novas configurações cronológicas, primeiro a melanina
virava pigmento de sapo, depois o tecido epitelial voltava a ser cimento e
água, ao mesmo tempo a camada subcutânea virava argila, os nervos e as veias
voltavam ao petróleo que um dia os fizeram plástico, por fim sobrava só o
esqueleto, mais resistente, mas que tarde ou cedo voltaria à terra. O verbo
morar já não era preocupação linguística.
As calotas polares desderretiam, e
as micro coisas vivas que fossem por ventura aprisionadas no processo de
recongelamento explodiam em energia derretendo um pouquinho de gelo ao seu
redor, que instantaneamente desderretia. E com isso Gaia vivia a mesma
era glacial de outrora, tornando as vidas ainda mais difíceis, o que não
explodia hipotermava. Quando por fim o último ser humano desapareceu das faces
do planeta, não porquê havia a espécie um dia nascido, mas sim porquê estava
ela destinada a morrer, qualquer que fosse a direção apontada pela seta do
tempo, fechou-se um ciclo, porém o tempo continuou retilíneo uniforme.
O petróleo virava carcaça de
dinossauro, a carcaça de dinossauro não virava dinossauro, e com isso se
acumulava, juntando-se a todas as outras carcaças, visto que nada mais se
decompunha. Por essas épocas também nada mais vivia além de algumas
monocotiledôneas e dicotiledôneas resistentes ao tempo e aos tempos. Com efeito
a entropia diminuía, nada se criava e nada se perdia, no entanto tudo se
transformava com menos frequência. Os continentes voltaram a ser Pangeia,
as águas se reaqueceram, a temperatura subiu e os vulcões engoliam lava. As
terras emersas se desformavam, logo nem água mais houve, então o planeta
rochoso virou stardust, depois o caminho de leite e por fim o universo.
E tudo o que havia sido, por pelo menos duas vezes a mesma coisa, nesse
instante nada mais era do que Big Bang.
E então
o tempo voltou a correr para a frente.