segunda-feira, 22 de abril de 2013

Sobre Números e o Depois que Nunca Chega

Sempre gostei de números, é uma habilidade natural de certa forma incongruente com a lógica jornalística. Porém, prefiro os números maiores, acima de 7, sete é um número legal, e todos os terminados com eles. Odeio os números redondos, são coisa de gente acomodada. Talvez por isso a Física seja minha ciência favorita: anti-acomodação e pró-números.

Se a mim fosse dada a incumbência de escrever as enciclopédias, assim eu definiria o verbete 'ser humano': "s.m.: única criatura dotada da capacidade, da habilidade suprema, de procrastinar todas as coisas". Assim, pagamos em 12 vezes. Doze também é um número legal, mas não para atitudes financeiras procrastinadoras.

O agora é o momento em que as coisas acontecem. O futuro é abstrato, nada mais do que uma projeção do que planejamos e queremos que seja, e sonhamos que assim será. Dá-se características numéricas para datas e valores que ainda não aconteceram, e que, grandes chances de, nunca acontecerão. Procrastinar é criar pré-requisitos para um futuro hipotético. Vive-se de amanhãs.

A memória, em geral, está no passado. No entanto, essa vontade humana de deixar para depois faz com que tenhamos saudades do futuro, daquele futuro maravilhoso que desejamos, mas deixamos para depois as atitudes que poderiam fazer ele acontecer. Por isso, é possível ter memória do futuro.

A física, e seus números, nos diz que não podemos lembrar do que ainda não aconteceu. E que, por isso, não podemos nos prender ao futuro, ao eterno depois, devemos viver de agora, e aumentar as probabilidade do futuro que queremos que aconteça. Há que se viver de fatos, de fazer os fatos acontecerem, de não pagar em 12 vezes o que pode ser realizado em apenas uma. Pois que, fatalmente e (por que não?) felizmente, algumas vezes o depois nunca chega.

quarta-feira, 17 de abril de 2013

Sinestesia

A menina dos meus olhos não tem olhos para mim. Tem sido muito difícil enxergar, fisicamente e abstratamente, abstrai-se a mente e mesmo assim não se vê, não se enxerga o que está diante dos olhos. Pois que o que está diante dos olhos insiste em fugir e dizer, para si mesma e para os outros, que não está. Já desejei cegueira total, seria o cineasta sinetesta, criaria correntes e faria história. Oras, pois se o senhor Ludwig foi surdo ao fim de sua vida...

A repetição do nada não é repetição, é apenas continuidade. Repetição só acontece se a coisa existe uma vez para depois novamente, e assim infinitas tanto quanto infinitas forem. O nada só atrai mais nada, a menos que algum dia ele comece a ser alguma coisa, então não será mais continuidade, pois da segunda vez que for, será repetição. Até agora, tenho tido muito nada. E também muita repetição.

Há que se sincronizar a vida, e algumas sincronias são maravilhosas, e, quem diria, surpreendentes. Oras, pois que tudo deve fazer parte de coincidências com alguma coisa, no entanto algumas coisas são coincidências planejadas, nada mais, e ainda assim sincronia. Cada escala da partitura da minha vida foi composta num tom diferente, assim é tudo tão dissonante. Não há de haver corações pulsando na cena do homem de lata.

E há ainda mais que se sincronizar a vida com essa eterna repetição. Esse eterno amontoado de nadas. Não enxergar é um nada, porém é um nada que primeiro necessita de um tudo. Não existe cegueira sem antes ter existido olhos. Ver é mais difícil do que enxergar. E quem sabe se o surdo, ou um sinetesta, poderia sincronizar as escalas de tons, e produzir harmonia nessa vida. De qualquer forma, o nada já é alguma coisa, pois que, como já disse, todo buraco está cheio de vazio.

sexta-feira, 5 de abril de 2013

Sobre Trancar a Porta do Banheiro

Sentados na varanda daquela casa, em meados de alguma época, em fins ou começo de outras, pois que tudo são épocas, e determinar qual é qual só depende do ponto de vista. Sentados lá, é que eles viam o quanto aqueles velhos fantasmas faziam falta. A correria dos gatos pela casa, procurando por todas as horas que lhes faltavam; a insipiência das paredes, que ao contrário do que dizem, só sabem mesmo continuar em pé; a inação dos objetos móveis de grande porte, contemplando por suas pequenas eternidades tudo o que ainda restava.

Sentados sim, pois que a todas as pessoas deveriam ser feitas referências no plural. Ninguém é um só. Mas todo mundo é só. A companhia dos fantasmas não assombrou naqueles tempos áureos, a sua ausência sim assombrava. Medo da não existência, pois que é mais fácil temer o que não se vê. E quando se vê fantasmas por tempo demais, eles acabam se tornando nossos amigos.

Algumas fotografias serviam de lembranças, mas a melhor câmera fotográfica ainda há de ser a memória, seus registros são mais vivazes, mais intensos. É certo que há o risco de se perder tudo com qualquer pequeno acidente, mas a que(m) estamos enganando? Há constantemente o risco de se perder tudo, ou de se ganhar. E com tudo o que se perde, se ganha também. Afinal, a ausência de fantasmas pode também ser considerada uma vitória.

Registros inertes e insipientes, a todo momento recuperados. E se pergunta porque ainda devemos trancar a porta do banheiro. Por onde andam aqueles fantasmas que os espionavam? Naturalmente, não foi a inação que os fez assim. Andam sozinhos pelos corredores, procurando pelas horas que lhes faltam, esperando uma resposta ou uma ação.

Assim, no plural, sendo mais de um em um só e só. Com a porta trancada, esperando que voltem os fantasmas. Em silêncio, cogitando a inação, contemplando a eternidade dos momentos. Em qualquer coisa que possa ser usada como uma boa analogia para varandas. Varandas nem existem mais. Fantasmas nem existem mais. Aqueles fantasmas devem estar sentados em suas próprias varandas, com a porta do banheiro aberta.