quarta-feira, 30 de maio de 2012

Sobre o sim e o não

Pessoas afirmam uma sentença começando a frase com não. Pessoas negam uma sentença começando a frase com sim. Esse tipo de contradição surge quando uma frase não nasce pronta, ela precisa ser moldada e integrada ao contexto. Na verdade qualquer coisa fora de contexto soa falso.

Tenho deixado meus sonhos em casa. Saio pra rua carregando a realidade, seja ela qual for. Sonhos são muito belos e aconchegantes, mas a frieza da realidade é mais pura, é de verdade afinal. Em tempos de amores tão estranhos, de vivência de tamanho retrocesso, me sinto repetitivo. Prefiro chocolate branco, que muito dizem não ser chocolate. Oras, muitos dizem que os sonhos não são reais.

Por outros lados, sinto falta de coisas que nunca tive. Mas as palavras repetidas que já tive tornam essa frase reutilizada, de novo e de novo repetida e incessantemente. Como pular de paraquedas, sinto falta de pular de paraquedas, e isso nada mais é do que analogia à vida decadente que se leva.

Um saudosismo pertinente, umas leituras ultrapassadas, e uma vontade incontida de ressuscitar tudo aquilo que já houve e ouve. Ao menos concursos não envelhecem, apesar da literatura evoluir. Continuo criando e inventando, e que gama de responsabilidades são essas, nada acaba e a cada dia assume-se mais. No entanto, tudo sob controle, fico esperando o dia em que as coisas desandariam. Gosto de ver o circo pegar fogo, e prefiro quando estou dentro do circo.

Assim, de sim e de não, literaturas vêm e vão, saudosismo vem e vai, compromissos vêm e vão, chocolate vem e vai. Também mudam os sonhos e a rua, a realidade e os concursos. Mudam, mas não envelhecem.

sexta-feira, 25 de maio de 2012

Shitberg - parte 02

No início, a merda estava principalmente presente entre os trópicos, o Canadá, por exemplo, era um país quase a salvo do problema, exceto por uma ou outra corrente merdítima que chegava vez por outra.

Em meados do sexto ano da emerdiação mundial, o problema passou a ser mais global. A população sofria como nunca antes, e imigrava para os países árticos. Porém, agora a bosta estava começando a chegar lá também, havia merda condensada na atmosfera em forma de nuvens, e as correntes de ar as carregavam de um lado pro outro, massas de bosta fria e de bosta quente faziam parte das previsões do tempo nos canais de televisão. 

Nas águas as correntes oceânicas também carregavam a merda como se fossem gigantescas estradas de bosta. Então a corrente do gorfo levou fezes até a Groelândia, e lá imensos icebergs constituídos totalmente de merda começaram a se formar. Coprólogos estudaram o ponto de fusão da merda e verificaram que os icebergs de bosta ficariam cada vez maiores e mais fedorentos.

E foi assim que a nova ameaça surgiu, mais um problema num mundo já afundado em merda: o shitberg. Os shitbergs eram massas colossais de bosta, que se aglutinavam e congelavam, a maior parte de sua constituição física ficava abaixo do nível do mar, sendo assim invisível. 

Shitbergs vagavam pelos oceanos, atingindo latitudes cada vez mais próximas ao equador, pois derretiam com mais dificuldade em relação aos icebergs tradicionais. A temperatura da Terra diminuía, devido à presença de merda na atmosfera condensada em forma de nuvens, que por ser mais densa e de cor mais escura, geralmente marrom, refletia a maior parte dos raios solares de volta ao espaço. 

Assim os shitbergs aumentavam, em tamanho e quantidade, e também em periculosidade, e dominavam uma porção cada vez maior dos mares do planeta. As águas já não eram navegáveis, e barco nenhum viajava, nem mesmo os mais fortes suportavam a terrível ameaça dos shitbergs. 

Até mesmo a aviação ficou comprometida devido à grande presença de merda na atmosfera que dificultava a visibilidade, no nono ano já não se locomovia a grandes distâncias pela Terra. 

No próximo inverno do hemisfério norte, as neves vieram com mais força do que em todo o século anterior, e escurecidas pela bosta, pesteava tudo. Algumas pessoas voltaram a migrar para os trópicos, voltando de onde fugiram outrora, quando a merda começou a dominar as cidades costeiras. 

Depois de dez anos do início de emerdiação mundial, a população humana começava a minguar pela primeira vez na história, eram muitas as doenças e pestes; a produção de alimentos diminuíra assustadoramente; não havia mais transporte, e várias regiões do globo estavam completamente inabitáveis. Grandes desertos de merda cobriam os mapas. 

No décimo terceiro ano, a população mundial já era a mesma que na época da revolução industrial, e perecia. Tudo era merda, e o planeta não se recuperava, pois as pessoas continuavam cagando. Bosta na atmosfera, cocô nos oceanos, fezes nas terras emersas. 

E o planeta esfriava cada vez mais, numa era glacial de proporções bostiais, shitbergs cada vez maiores flutuavam pelos oceanos, que eram cada vez mais parecidos com fossas gigantescas. Os shitbergs invadiam os rios, numa piracema escatológica, congelando as nascentes, e contaminando os lençóis freáticos, não havia mais água livre da bosta no planeta. 

Shitbergs colidiam com as cidades costeiras, que desde a última imigração voltavam a ser habitadas, sendo alguns dos lugares menos frios da Terra, causando destruição e ceifando mais vidas. Aqueles colossos de merda eram visto com muita freqüência até mesmo na costa do Brasil e da África. 

No inverno seguinte foi avistado no Oceano Pacífico o maior shitberg já catalogado pela humanidade, com 1.607 quilômetros de comprimento, e nenhum coprólogo conseguiu calcular o tamanho que ele atingia embaixo da água. Um dia ele não estava mais à deriva, e se tornou fixo, como um novo continente de cocô, e passou a crescer cada vez mais, com mais merda congelando a sua volta, como em ilhas vulcânicas. 

Em pouco tempo, novos continentes de merda surgiram, e alguns se aglutinavam, ficando cada vez maiores, as águas de todo o planeta estavam se congelando em bosta, e havia cada vez menos pessoas para presenciar essa glaciação escatológica. No décimo sétimo ano o Oceano Atlântico inteiro virou uma grande massa fecal, as correntes marítimas deixaram de existir. O mundo se tornava uma merda gelada. No inverno seguinte o último ser humano morreu. 

E depois de tanta coprofilia, tanta escatologia, tanta emerdiação, o planeta Terra se tornou um grande e coeso Shitberg à deriva no espaço.

quarta-feira, 23 de maio de 2012

Shitberg - parte 01


Aquela maldita privada entupida mais uma vez, um problema muito freqüente nos últimos meses, e lá vai a conta bancária do encanador engordar um pouco mais.

Era um problema freqüente e cada vez mais presente nas sociedades, não era mais exclusividade desse ou daquele edifício, dessa ou daquela rua, nem mesmo de uma localidade ou país. Era um problema generalizado.

As privadas entupiam simplesmente porque a capacidade de destinação dos detritos provenientes de esgoto estava se esgotando. Era tanta merda que já não tinha mais onde jogar, os aterros sanitários já estavam cheios. Florestas eram derrubadas diariamente com o intuito de criar novos aterros, no entanto com o acordo de Kiev, ficou proibido todo e qualquer desmatamento, não importava o objetivo, pois as matas estavam acabando.

O lixo era reciclado facilmente com as novas tecnologias, comprimia-se e jogava ao espaço, combustível solar, assim, os aterros sanitários já nem precisavam ser usados como depósito de lixo. Mas não havia o que fazer com tanta merda, de todos os apocalipses ecológicos previstos para a humanidade, o escatológico era o menos esperado, e talvez por isso mesmo especialista nenhum se preocupou com ele. Até a água bater na bunda.

Nessa época jogavam cada vez mais bosta nos oceanos, eram as grandes privadas do planeta. Todas as redes de tratamento de esgoto do mundo acabavam nas águas salgadas. E a capacidade de renovação dos mares é limitada, apesar de ser grande, então chegou uma hora em que as águas começaram a virar um merdesteio só.

No início daquele ano algumas praias ao sul da França e da Itália foram interditadas, e em menos de dois meses todo o litoral sul europeu estava inapropriado para receber banhistas. A justificativa era a alta quantidade de coliformes fecais na água, as pessoas já chegavam à areia com furúnculos causados por bactérias da merda.

Não demorou muito para o resto do mundo também bloquear o acesso aos oceanos. Uma epidemia se espalhou na Ásia, causada por frutos do mar contaminados, os peixes estavam se transformando em cocô. Depois disso todas as populações do mundo pararam de pescar, em duas primaveras houve um superpovoamento dos oceanos, o que agravou ainda mais o problema, pois as criaturas marinhas consumiam mais oxigênio da água, diminuindo a capacidade de renovação e de decomposição dos dejetos.

No fim do terceiro ano as cidades costeiras começaram a ser evacuadas, as pessoas não suportavam o cheiro e as pestes, moscas se multiplicavam e chegavam a ter o tamanho de um ovo de galinha.

Cientistas estudavam com afinco possíveis soluções. Mergulhadores eram enviados, e dezenas de pessoas morreram em aventuras a alto mar, cair na água sem uma roupa especial de proteção era suicídio.

A merda começava a evaporar e condensar em nuvens, quando um vento impróprio a levava para o continente, chovia merda, e haviam furacões de merda na primavera. As águas da chuva, antes tão aguardados em determinadas partes do mundo, pra que viessem lavar as almas das pessoas, agora eram odiadas, e preferia-se a seca.

Um dos especialistas no novo problema da bosta dominante passou a estudar a densidade da merda. Ele queria saber porque uma parte boiava, enquanto outra boa quantidade afundava. Os fundos dos oceanos eram massas lodosas de fezes, e por outro lado, havia bosta cobrindo quase toda a superfície. Sua conclusão foi de que a densidade era variável.

terça-feira, 15 de maio de 2012

Obra Secreta


Foi descoberta hoje pelo CREA (Conselho Regional de Engenharia e Agronomia), a realização secreta nos últimos meses de uma construção nos subterrâneos de Araucária. A obra consistia num metrô que seria entregue à população como surpresa no aniversário do município no ano de 2013.

Obras do metrô de Araucária
Apesar da construção não ter autorização do órgão regulador, os engenheiros responsáveis eram credenciados e não há nenhuma irregularidade aparente que comprometa a estrutura da obra. “O simples fato de não ser autorizada é suficiente para haver multa, obras dessa magnitude devem ser de conhecimento de todos”, afirma Bob the Builder, presidente do CREA-PR.

Nos últimos meses várias obras vinham se proliferando pela cidade, cada uma com uma justificativa diferente, recapeamentos de asfalto, reforma no Terminal Central, até mesmo a vinda de uma grande loja de departamentos foi simulada para desviar a atenção.

A população se mostra indignada com a falcatrua: “Estamos sendo enganados, eles dizem que vão asfaltar a rua e constroem um metrô, isso não pode ficar assim”, esbraveja o comerciante Marcio Revoltz.

O projeto, que veio a público depois de desmascarado, ligaria Guajuvira ao Barigui, dois bairros extremamente importantes do município, e teria 134 estações, sendo uma a cada 200 metros do trajeto, com 17 vagões de passageiros movimentando-se ininterruptamente para dar conta da demanda.

As autoridades competentes ainda não se pronunciaram oficialmente, mas nossa reportagem apurou que as obras continuarão mesmo com a descoberta prematura e toda a polêmica gerada.

quinta-feira, 10 de maio de 2012

Boy named Sue

Versão da música Boy Named Sue do Johnny Cash:


Cara chamado Ana

eu tinha só três anos e o meu pai vazou
pra mãe e eu ele quase nada deixou
só esse violão velho e umas casca de banana
mas eu não o culpo por fugir assim
mas o mais paia que ele fez pra mim
antes de ir ele veio e me pôs o nome de Ana

ele deve ter achado que era um tipo de piada
e ela tirou muitas risadas das piazada
eu venho brigando toda essa vida insana
se uma guria risse eu ficava impaciente
um mane dava risada eu lhe partia os dente
e a vida não é fácil pra um cara chamado Ana

aí eu cresci bem rápido e por crescer eu digo
meu punho se firmou e as ideia um perigo
passei vergonha de distrito em distrito 
mas fiz uma promessa e tive que carregar
que eu ia vasculhar os boteco e os bar
e matar o corno que me deu esse nome maldito

e foi em Araucária no meio do verão
cheguei na cidade e queria um copo na mão
pensei em parar e tomar uma bera bacana
num velho saloon numa rua parva
numa mesa no canto de boa estava
sentado o cachorro sarnento que me nomeou de Ana

bem eu sabia que o porco era meu papai querido
por uma foto amarelada que eu levava comigo
eu vi aquela cicatriz na cara e o olhar de mau
ele era cinza e velho e corcunda e grande
eu olhei pra ele e ferveu meu sangue
e eu gritei meu nome é Ana qual é a tua
agora você vai pro pau

e no meio da cara lhe eu acertei uma porrada 
ele foi pro chão mas levantou do nada
então sacou uma faca e aí minha orelha já era
mas eu destruí os seus dente com uma cadeira
a gente foi parar na rua levantando poeira
chutando e rolando com lama e sangue e bera

olha eu já lutei com uns cara mais oi
mas eu nem lembro de quando isso foi
chutava feito um burro e atacava feito um gavião
eu ouvi ele rindo e empostou aquela voz
puxou uma arma mas eu fui mais veloz
ficou parado olhando pra mim e ele sorriu então

e ele disse filho esse mundo é uma aposta
e se um cara quer ser foda não pode ser um bosta
eu sabia que eu não estaria lá pra te dar uma força
então coloquei esse nome e falei adeus
ou tu ficava forte ou ia trocar ideia com deus
e foi o nome que te ajudou a não ser um borsa

ele disse então você brigou pra caralho
eu sei que me odeia e isso faz parte do páreo
me mate agora e eu nem vou te achar um sacana
mas tem que me agradecer antes que eu morra
pela macheza em você e essa briga da porra
porque eu sou o filho da puta que te chamou de Ana

eu senti um calafrio e joguei for a o meu cano
e como pai e filho a gente era tipo mano e mano
e eu vazei com um ponto de vista diferente
e as vezes a lembrança dele volta e some
e aí eu penso e eu já posso até ver
que se um dia desses eu tiver um filho o nome vai ser
Pedro ou Marcos qualquer porra de nome menos Ana
eu ainda odeio esse nome