Aquela maldita privada entupida mais uma vez, um
problema muito freqüente nos últimos meses, e lá vai a conta bancária do
encanador engordar um pouco mais.
Era um problema freqüente e cada vez mais presente
nas sociedades, não era mais exclusividade desse ou daquele edifício, dessa ou
daquela rua, nem mesmo de uma localidade ou país. Era um problema generalizado.
As privadas entupiam simplesmente porque a capacidade
de destinação dos detritos provenientes de esgoto estava se esgotando. Era
tanta merda que já não tinha mais onde jogar, os aterros sanitários já estavam
cheios. Florestas eram derrubadas diariamente com o intuito de criar novos
aterros, no entanto com o acordo de Kiev, ficou proibido todo e qualquer
desmatamento, não importava o objetivo, pois as matas estavam acabando.
O lixo era reciclado facilmente com as novas
tecnologias, comprimia-se e jogava ao espaço, combustível solar, assim, os
aterros sanitários já nem precisavam ser usados como depósito de lixo. Mas não
havia o que fazer com tanta merda, de todos os apocalipses ecológicos previstos
para a humanidade, o escatológico era o menos esperado, e talvez por isso mesmo
especialista nenhum se preocupou com ele. Até a água bater na bunda.
Nessa época jogavam cada vez mais bosta nos oceanos,
eram as grandes privadas do planeta. Todas as redes de tratamento de esgoto do
mundo acabavam nas águas salgadas. E a capacidade de renovação dos mares é
limitada, apesar de ser grande, então chegou uma hora em que as águas começaram
a virar um merdesteio só.
No início daquele ano algumas praias ao sul da França
e da Itália foram interditadas, e em menos de dois meses todo o litoral sul
europeu estava inapropriado para receber banhistas. A justificativa era a alta
quantidade de coliformes fecais na água, as pessoas já chegavam à areia com
furúnculos causados por bactérias da merda.
Não demorou muito para o resto do mundo também
bloquear o acesso aos oceanos. Uma epidemia se espalhou na Ásia, causada por
frutos do mar contaminados, os peixes estavam se transformando em cocô. Depois
disso todas as populações do mundo pararam de pescar, em duas primaveras houve
um superpovoamento dos oceanos, o que agravou ainda mais o problema, pois as
criaturas marinhas consumiam mais oxigênio da água, diminuindo a capacidade de
renovação e de decomposição dos dejetos.
No fim do terceiro ano as cidades costeiras começaram
a ser evacuadas, as pessoas não suportavam o cheiro e as pestes, moscas se
multiplicavam e chegavam a ter o tamanho de um ovo de galinha.
Cientistas estudavam com afinco possíveis soluções.
Mergulhadores eram enviados, e dezenas de pessoas morreram em aventuras a alto
mar, cair na água sem uma roupa especial de proteção era suicídio.
A merda começava a evaporar e condensar em nuvens,
quando um vento impróprio a levava para o continente, chovia merda, e haviam
furacões de merda na primavera. As águas da chuva, antes tão aguardados em
determinadas partes do mundo, pra que viessem lavar as almas das pessoas, agora
eram odiadas, e preferia-se a seca.
Um
dos especialistas no novo problema da bosta dominante passou a estudar a
densidade da merda. Ele queria saber porque uma parte boiava, enquanto outra
boa quantidade afundava. Os fundos dos oceanos eram massas lodosas de fezes, e
por outro lado, havia bosta cobrindo quase toda a superfície. Sua conclusão foi
de que a densidade era variável.