Nenhum ano que começa com sidra com gosto de vômito dentro do ônibus dirigido por um motorista que buzinava para todas as pessoas na rua, nenhum ano que começa assim pode ser ruim.
E agora é aquela época de todas as retrospectivas, acho essa a maior prova de que o homem ainda deveria estar fazendo fogo batendo pedras. Não dá pra acreditar no potencial de uma criatura que precisa de datas estigmatizadas pra fazer acontecer alguma mudança em suas rôtas vidas. Somos a espécie do “ano que vem eu faço” “ano novo, vida nova”. E as coisas são todas as mesmas tanto em 31 de dezembro quanto em 01 de janeiro, apenas mais um nascer do sol.
Ano de dias épicos, dias de ano épico. Uma época épica. Seriam poucas as linhas para descrever o que de tão intenso existiu, e que ainda existe. Pois que tudo o que vivemos continua lívido enquanto existir lembranças. E a memória é a própria forma de fazer as coisas perdurarem. Além de sua principal função, que é evitar que levemos mais pedradas.
Então, podemos até dizer que retrospectivas são necessárias, para não deixar com que as coisas que existiram deixem de existir. É como escrever uma frase num caderno e guardá-lo em algum canto remoto. Ele um dia será localizado, e aquela frase esquecida deve voltar à vida que um dia teve. E as pessoas precisam realmente botar vírgulas em suas orações para fazer as frases terminarem. Virada de ano é o mais universal dos checkpoints.
É bom observar as fotos, a memória virtual, pois que hoje em dia nem físicas mais as fotos são. Apenas meras representações pictográficas de um momento, digitalizadas em uma espécie de santuário das coisas que não existem de verdade. É bi-virtual. Memória da memória. O que é mais real? A foto, ou momento que ela representa? Ou seria ainda a memória viva daquele momento, e daquela foto? Talvez todos juntos não cheguem a formar uma realidade.
Foram quatro canecos de chopp ganhos; um comboio pra Araucária; piscina de madrugada; danças germânicas de madrugada; um livro; pré-carnavais; amigo punk; a morte e seus amigos; um prêmio estadual; os dois melhores shows com dois dias de diferença; umas maratonas; um videoclipe finalizado porém não concluído; um reset; cama elástica na chuva; sonhos e surrealismo; muito reconhecimento; uma ilha inteira; o Mato Grosso inteiro; madrugadas inteiras; vidas inteiras; e tanto quanto mais eu possa ter esquecido, pois que nem toda memória é assim tão estimulável.
Enfim, no fim, apenas do dia, do ano, ou o que quer que seja. Para que comece de novo, tudo igual, mas tudo novo, com essas representações tão necessárias quanto dispensáveis. Para que ano que vem seja tudo igual, mas tudo diferente. Pra melhor.