sexta-feira, 28 de dezembro de 2012

Retrospectiva

Nenhum ano que começa com sidra com gosto de vômito dentro do ônibus dirigido por um motorista que buzinava para todas as pessoas na rua, nenhum ano que começa assim pode ser ruim.

E agora é aquela época de todas as retrospectivas, acho essa a maior prova de que o homem ainda deveria estar fazendo fogo batendo pedras. Não dá pra acreditar no potencial de uma criatura que precisa de datas estigmatizadas pra fazer acontecer alguma mudança em suas rôtas vidas. Somos a espécie do “ano que vem eu faço” “ano novo, vida nova”. E as coisas são todas as mesmas tanto em 31 de dezembro quanto em 01 de janeiro, apenas mais um nascer do sol.

Ano de dias épicos, dias de ano épico. Uma época épica. Seriam poucas as linhas para descrever o que de tão intenso existiu, e que ainda existe. Pois que tudo o que vivemos continua lívido enquanto existir lembranças. E a memória é a própria forma de fazer as coisas perdurarem. Além de sua principal função, que é evitar que levemos mais pedradas.

Então, podemos até dizer que retrospectivas são necessárias, para não deixar com que as coisas que existiram deixem de existir. É como escrever uma frase num caderno e guardá-lo em algum canto remoto. Ele um dia será localizado, e aquela frase esquecida deve voltar à vida que um dia teve. E as pessoas precisam realmente botar vírgulas em suas orações para fazer as frases terminarem. Virada de ano é o mais universal dos checkpoints.

É bom observar as fotos, a memória virtual, pois que hoje em dia nem físicas mais as fotos são. Apenas meras representações pictográficas de um momento, digitalizadas em uma espécie de santuário das coisas que não existem de verdade. É bi-virtual. Memória da memória. O que é mais real? A foto, ou momento que ela representa? Ou seria ainda a memória viva daquele momento, e daquela foto? Talvez todos juntos não cheguem a formar uma realidade.

Foram quatro canecos de chopp ganhos; um comboio pra Araucária; piscina de madrugada; danças germânicas de madrugada; um livro; pré-carnavais; amigo punk; a morte e seus amigos; um prêmio estadual; os dois melhores shows com dois dias de diferença; umas maratonas; um videoclipe finalizado porém não concluído; um reset; cama elástica na chuva; sonhos e surrealismo; muito reconhecimento; uma ilha inteira; o Mato Grosso inteiro; madrugadas inteiras; vidas inteiras; e tanto quanto mais eu possa ter esquecido, pois que nem toda memória é assim tão estimulável.

Enfim, no fim, apenas do dia, do ano, ou o que quer que seja. Para que comece de novo, tudo igual, mas tudo novo, com essas representações tão necessárias quanto dispensáveis. Para que ano que vem seja tudo igual, mas tudo diferente. Pra melhor.

quarta-feira, 26 de dezembro de 2012

A Alma Forte

Estou em Lua
Vivendo de morte
Minha alma nua
Não tem tal sorte

Continente ativo
Conteúdo inerte
Vivendo passivo
Insensível infértil

Se o corpo conquista
O que essa alma tange
Todo esforço avista
A vida que passa longe

O coração padece
Essa alma expira
O corpo estremece
Mas ainda respira

Tudo o que eu tenho
Faz essa batalha
Caixa e o que está dentro
Ou algo que o valha

quinta-feira, 20 de dezembro de 2012

Personagens

Creio que Bukowski adorava gatos. E frequentar essas rodas de poker é como ir aos páreos de cavalo. Dizem que dá pra ganhar muito dinheiro por lá mesmo sem jogar, com determinada habilidade. Mas é determinante uma relativa preguiça dessa obrigação monetária.

Ninguém nunca morreu de opinião, essa doença tão frequentemente transmissível. Certa vez falaram que essas personagens não têm vida. Oras, isso se dá pelo fato delas não serem reais, não podem mesmo ter vida, isto está reservado para as criaturas que usam oxigênio de alguma forma. Não vejo motivos para passar dos 40 anos de idade. Passar tanto tempo gastando oxigênio. Essas parcas personagens sem vida viverão muito mais do que nós.

Há ainda aqueles que levantam bandeiras, por Bukowski ou pela causa dos gatos. Oras, os gatos podem se virar sozinhos, só precisam mesmo de alguma coisa pra matar de vez em quando. Para levantar uma bandeira, a pessoa deve também aprender o hino, defender o brasão, cumprir com todos os deveres cívicos enfim. Mas as vezes algumas bandeiras são necessárias, ou podemos simplesmente nos esconder atrás delas, o que é suficientemente cômodo.

Poderíamos debater o dia todo sobre árvores que crescem no concreto, os oásis dos tempos modernos, urbanidades tão vívidas. E como fazem elas com essa escassez de oxigênio? Oras, elas mesmas o fazem. Todo mundo já desejou fazer fotossíntese. Elas levantam as próprias bandeiras, sem se preocupar com quanto tempo viverão.

Poderíamos jogar poker valendo cavalos. Poderíamos ter gatos e bandeiras, bandeiras com gatos. Poderíamos consumir todo o oxigênio que nos for permitido e convencionado. Pois a própria respiração é mera convenção. Criando nossas próprias personagens e levantando as bandeiras delas. Pois que essas coisas sem vida não podem nem mesmo respirar sozinhas.

sábado, 15 de dezembro de 2012

Amadeus

Bin Laden morreu!
Saddam morreu!
W. Bush morreu!
Arafat morreu!
Gandhi, Madre Teresa,
Einstein, Diana Princesa

Todo mundo morreu
Todo mundo sou eu
O mundo é meu
Eu sou meu deus

Amadeus, Amadeus, Amadeus
- quem é você?
Amadeus, Amadeus, Amadeus
- eu sou eu
Amadeus, Amadeus, Amadeus
- mas eu sou deus
Amadeus, Amadeus, Amadeus
- eu sou mais deus

MORREU! MORREU! MORREU! MORREU!

Agora todo mundo sou eu
Agora todo mundo sou eu

segunda-feira, 10 de dezembro de 2012

Voyage au centre de si mesmo

A mais fabulosa viagem que alguém pode fazer é a viagem para dentro de si mesmo. Sem precisar comprar passagens antecipadas em três meses para que se aproveite uma promoção falaciosa. Sem precisar juntar trapos em uma bolsa desfigurada. Sem precisar sequer planejar com qual vizinho indesejado ficará as honras de alimentar o cachorro.

Há ainda diversos outros benefícios: dentro de sim mesmo, as paisagens são as mais exóticas que uma pessoa pode ver algum dia; os animais são dos mais estranhos, chegam a lembrar aqueles peixes abissais que vez por outra são encontrados mortos nas praias desertas. Dentro de si mesmo, cada mísero centímetro quadrado tem o poder de surpreender e assustar.

Um corpo cheio de coisas pode estar cheio de nada. Vísceras são alguma coisa, porém depois de mortas são nada. Um buraco está cheio de vazio. É possível preencher o espaço vazio de um buraco, ou de um corpo, com qualquer substância. Mas ao preencher esse espaço, ele não deixa de estar vazio, pois que o vazio apenas muda de lugar. O vazio é cíclico e, cedo ou tarde, volta para preencher. É impossível estar sempre cheio.

Todo castelo foi construído para desmoronar. Cada pedra colocada em sua estrutura tem em sua própria natureza a intenção de ruir. Areia nada mais é do que uma rocha que envelheceu. Pois que o tempo passa para todas as coisas, vazias ou não. E uma rocha está sempre cheia; cheia de areia dentro de si, e mesmo assim vazia; vazia de castelo. Pois que uma rocha sozinha nunca será castelo.

As ideias desmoronam, as pessoas desmoronam. Muito mais, inclusive, do que os castelos. Dentro de si mesmo, cada pessoa desmorona, e essa viagem deve servir não para evitar esses desmoronamentos, mas para reconhecer a areia da rocha velha.

Dentro de si mesmo, há que se preencher cada vazio com essa areia, como uma ampulheta antropomórfica que não está contando o tempo, mas sim a vida e a não-vida. Dentro de si mesmo, há que se responder se vale mais a pena ser problema ou solução, teorema ou resolução. Dentro de si mesmo, há que se entender que o vazio nada mais é do que a falta do nada, pois que por vezes até o nada preenche o vazio.