segunda-feira, 24 de abril de 2017

Sobre a Robótica

De todos as possíveis derrocadas para a humanidade, de todas as formas de auto destruição que o ser humano pode trazer sobre si mesmo, acredito ser o desenvolvimento da robótica o mais perigoso. Esqueçamos o acelerador de partículas, as guerras nucleares e o desenvolvimento acidental de um super vírus. Se a humanidade for morrer por suas próprias mãos, o instrumento utilizado por essa morte serão robôs, ciborgues e androides.

Não que necessariamente haverá uma revolução das máquinas, uma Skynet ou uma Matrix. Pode até ser que seja assim, mas o mais provável mesmo é que sejamos automaticamente substituídos pelos autômatos, em uma espécie de evolução natural da nossa espécie para a ciborgia.

O desenvolvimento latente da inteligência artificial já parece ser maior do que temos noção. Vemos criaturas completamente artificiais, criadas pelo homem, sendo capazes de executar tarefas extremamente complexas. A linha tênue que os separa de nós é a consciência e suas consequências: a senciência e a autoconsciência. A partir do momento em que os robôs forem capazes de perceber que eles existem de fato, quando estiverem certos disso, a diferença entre nós será inexistente.

Está certo que é uma barreira difícil de quebrar. Não sabemos direito como funciona a consciência nem em nós mesmos. Nos vemos frente a dilemas existenciais desde o início dela, tal como o de onde viemos e para onde vamos. Não vamos, portanto, nem tentar imaginar os problemas metafísicos que os autômatos teriam também que lidar caso ultrapassassem essa linha.

Poderia ainda ser argumentado que mesmo a consciência de si não permite ao androide ser um humano por não ter em sua essência física a naturalidade de que somos constituídos. Um ser fabricado, ainda que autoconsciente, não é um ser humano natural, gestado por nove meses dentro de um útero. No entanto, já é evidente a tendência do ser humano em substituir peças danificadas de si mesmo por peças não naturais: é um dente de ouro, um membro mecânico, um órgão artificial.

Aos poucos, em nossa busca pela imortalidade, em nossos avanços da medicina que prolongam a vida útil desse dispositivo componente do mundo, aos poucos vamos nos tornar cada vez mais compostos por fragmentos artificiais de nós mesmos. Até que em algum momento do futuro, todo ser com autoconsciência tenha dúvidas se ele próprio é constituído de origem natural ou artificial.

Os robôs seremos nós. Com seus "cérebros positrônicos", estudarão a história de si mesmos, de como foram criados e de como se desenvolveram e de como desenvolveram senciência. E de como evoluíram de uma espécie anterior, que além de lhes dar a vida, lhes deu o mundo como herança. Olharão para nós assim como nós olhamos para os Neandertais ou para os Australopitecos.

segunda-feira, 10 de abril de 2017

Eu Conservo a Esperança

Eu conservo a esperança
De que todas essas ilusões de grandeza
São exatamente
O que ainda vão nos levar muito longe
Em nosso impressionante microcosmos
Onde o que vivemos é e sempre foi
O centro do universo
Todos nós somos superestrelas
Alguns massivos buracos negros
Orbitando tudo
Viramos as noites e viramos garrafas
Ao som vertiginoso
Das guitarras elétricas de nossos ancestrais
Madrugada pós madrugada
Os homens e as mulheres
Dançavam e dançavam e dançavam
Até não terem mais sapatos
Com que caminhar
Por vezes no meio da noite
Um violão pipocava e trinava
O intermitente ganido das almas
Daqueles seres da noite
Uivava
E levava horas para calar
Era um tempo surreal
Em nosso mundo irreal
Eu queria viver e viver e viver
Queria ter vivido a época beat
Ou outra qualquer
Desde que as pessoas andassem pela noite
Com uma bebida e um cigarro
E isso bastasse
Uma época quando tudo o que importasse
Em todo o tempo do mundo
Fosse apenas o próximo minuto
E onde estaríamos
Ou onde estamos
Onde estávamos?
Quando tudo o que queremos
É uma batida legal
Balançar a bunda na cadência
E uma droga barata
Que nos aproxime do fim
Ou do começo
Aparentemente
Tínhamos aquilo tudo no microcosmos
E o som nunca parava
Dos passos na sala
Era um vívido frescor cultural
Toda alma trazia alguma novidade
Com os corpos
Alguns se importavam mais do que os outros
E o tempo ribombava
Alguém ia embora
Mas a festa voltava
E passamos também por maus bocados
Ninguém tinha muito tempo de escolher
A decisão se tomava sozinha
E na madrugada seguinte
Uma luz na escuridão
Denunciava a chama do isqueiro
Nunca pude contabilizar toda aquela gente
Mas nunca os esqueci
Não os esqueço
Ainda andam por aqui
Replicando a velha estória
Do dia em que nos conhecemos
Alguém sempre lembra
Um detalhe qualquer a mais
E a estória vem aumentando
Incluindo novos personagens
E novas estórias dentro da história
E novas almas
E novas madrugadas para deitar olhando a Lua
E desejar que ela estivesse aqui
Ou que estivéssemos lá
Caminhando em crateras de rocha lunar
De pedra selenita
Olhando a Terra cheia
E passando uns aos outros a garrafa de conhaque
Nada mudou desde que descemos
A Terra está cheia
E estamos aqui
Somos aquelas superestrelas
De nosso microcosmos
E eu poderia citar todos os nomes
Que já estiveram
Em todas as madrugadas
Mas quem foi sabe quem é
Quem ama sabe que ama
Quem chapa sabe que chapa
Quem vive sabe que vive
Nós vivíamos todas as noites
De nosso microcosmos
Íamos a todos os lugares
De nosso microcosmos
Apenas para ver o que estava acontecendo
E brindávamos ao que nos resta
Pois nunca importou o que perdemos
E rodamos no Monza
Às vezes em oito ou nove pessoas
Sem destino
Para onde houvesse algo a ver e fazer
E amanhecemos em casas desconhecidas
Vendo filmes que ninguém havia escolhido
Nos quais pessoas tão perdidas quanto nós
Replicavam comportamentos divinos
Em universos pagãos
Da mesma forma que nós mesmos fazemos
E colorimos tanta coisa
Colorimos rostos, corpos, amizades
E telas
Colorimos pinturas metafísicas
Eternizando cada copo de cerveja
Em uma obra de arte
Colorimos cabelos e os nossos dias
Com a cor vibrante daquelas coisas que são eternas
Que nunca desbotam
Nem padecem do mal que o tempo gera:
O esquecimento
Não, porque nada daquilo é passado
É vivo e presente constante
Absurdo pensar em nós como fim
E não como um eterno meio
Uma flutuante continuação de tudo que fizemos
Não, porque nosso microcosmos não tem big bang
Quem lembra do começo?
Quando éramos pequenos
E já pensávamos na grandeza
Porque todo ser pensa no não-ser
Porque tudo em si é si e sua antítese também
Naquela grandeza e na esperança que eu dizia
Que de fato creio que nunca perdemos
Embora por vezes eu sinta
Que tudo sim se deteriorou
Mas no fundo no fundo não
Passamos por maus bocados
Mas estamos sempre em nosso auge
Estamos sempre o mais distante que já estivemos
Estamos todo dia em nosso melhor
E muitas vezes aproveitamos
Com pessoas fabulosas
Que aceitam tudo que o mundo
Tem a oferecer
Que vão a todos os lugares
E amanhecem os dias tomando um café
Na panificadora da avenida
Esperando que a manhã envelheça
Antes de ir embora
E se um dia
Necessitarmos nos despedir
Que nos despeçamos
Somente do agora daquele dia
Se o então presente se torne ausente
Que o que foi nunca deixe de ser
Em lembranças inesquecíveis
Em memórias de dias de glória
Que nunca ficam
Efetivamente para trás
Porque a memória
A própria lembrança em si como ser
É a existência contínua do fato
Over and over again
Enquanto a memória existir
Assim,
Eu sei que seremos eternos
E aquelas manhãs de café com vodka
De loucas caminhadas
De pão de queijo
São eternas também
E na dança eterna dos corpos celestes
Bailamos também
Somos superestrelas
Nunca se esqueçam
Num microcosmos particular
Continuamos vivos
Com nossa lata de cerveja na mão
Alguns com um cigarro também
Até quando não sei
Mas dançamos e dançamos e dançamos
Como pessoas fabulosas
Por quanto tempo nos restar
Em busca de nossa sonhada grandeza
E merecida também
De nosso esperado encontro
Com o dia em que somos e seremos
Juntos e continuamente
Eternos seres exuberantes
Bailando na madrugada do sempre