terça-feira, 29 de janeiro de 2013

A Pessoa é para o que Nasce

Todo mundo deve nascer para alguma coisa. Nem que seja pra respirar e morrer de novo. De novo não, pela única vez, porque afinal só se morre uma vez na vida. Viver, isso se faz o tempo todo. Todo mundo nasce para ver as madrugadas. Dormir é a maior das perdas de tempo. Pra viver entre o crepúsculo e a aurora é que não durmo, dias cheios de compromissos, noites cheias de madrugada.

Adoro as madrugadas. Melhor horário do dia. E o início da manhã também, com o sol preguiçoso tentando tomar coragem pra sair. Com os sons das aves urbanas, sobreviventes, maiores guerreiras de suas famílias, que conseguiram se adaptar à vida não-tão-selvagem. Com essa vertigem que uma neblina fúnebre causa de vez em quando. Sinto falta das neblinas do inverno.

Deixe a loucura te guiar. Pra quê razão? Já existe realidade demais na vida real. Vamos viver o nosso surrealismo. Cortar um pedaço da noite com uma foice de plástico, e fazer dela um refúgio. Não acordar nunca mais, porque o amanhecer não merece tanta glória. Stay back sun! Deixe-se vencer pela preguiça, não nasça nunca mais, pois que você sim faz isso com muita frequência! Se nasces e morres todos os dias, então pra quê viver?

Até mesmo o sol, a neblina, e as madrugadas devem ter nascido para alguma coisa. E mesmo que sejam monotemáticos, o fazem muito bem. Imaginemos a responsabilidade de aquecer e proteger um mundo inteiro! Alguns mundos nem são tão grandes assim, e a responsabilidade de aquecê-los pode muito bem ser a mesma. São grandezas relativas, aquecer e proteger deve ser sempre uma responsabilidade.

Todas as pessoas nascem para ver o sol, apesar das madrugadas. O yin-yang universal, o dia e a noite. E alguns podem até preferir isso. Mas todo mundo também não nasce para algumas coisas. Ninguém nasce para tudo, porque tudo é muita coisa. Todo mundo é muita coisa. É preciso não ser algumas coisas, e é por isso que algumas pessoas não dormem.

quinta-feira, 24 de janeiro de 2013

O Mundo dá Voltas

O mundo dá voltas. É lugar-comum dizê-lo, porém é a mais pura verdade científica. Já pararam pra pensar que se a Terra fosse quadrada, e seu eixo de rotação não fosse inclinado naqueles 23° e qualquer coisa; não haveria ventos, nem diferença de estações, nem marés e tantas outras coisas? Nem mesmo vida haveria. A vida existe porque o mundo dá voltas.

Esse contínuo processo biológico ao qual resolveram dar um nome. Respiração e transpiração. E quem teria sido a primeira criatura a tentar explicar o porquê disso? Maldita descoberta acidental do fogo. Maldita pedra lascada. Maldito ribombar dos ossos preteridos como armas. A humanidade é amaldiçoada desde os seus primeiros dias.

Um dia se tem tudo, no outro nada. Um dia se tem as árvores, e a caçada imperiosa do instinto. No outro dia se cria a caça em currais, e as árvores são essas folhas brancas ao teu lado. O rascunho, outrora árvore, é agora usado pra falar mal da sua própria existência, num inception de rancor. Um dia se tem trenzinhos, no outro braços que são abraços. Um dia alienígenas, no outro não-filmes.

E alguns dias podem ser reservados para chorar. Essa maldita evolução nos tornou ainda a única criatura capaz de chorar com lágrimas. Pois que o mundo dá voltas, e elas por vezes param novamente no Mato Grosso. E respirar é o ato mais egoísta que existe. Típico dessa espécie mesquinha que desce de árvores.

A humanidade exagera a sua própria utilidade. Haviam macacos naquelas árvores, hoje eles as derrubam. Chorar não deve ser a mais nobre das capacidades, nem mesmo o fogo o é. Mas suponhamos que você tenha infinitos macacos, coloque-os sentados à frente de infinitas máquinas de escrever durante um período de tempo infinito. Cedo ou tarde um deles digitará uma obra de Shakespeare.

E se os macacos podem fazer, nós, sob responsabilidade menor da aleatoriedade, também o podemos. E talvez por isso o fogo, a pedra lascada, e os ossos sejam um pouco menos amaldiçoados. Por isso temos alienígenas, e essas ex-árvores, e trenzinhos, e lágrimas, e o Mato Grosso, e tudo e nada ao mesmo tempo. Porque o mundo dá voltas...

quinta-feira, 17 de janeiro de 2013

Vermelho

Vermelho é a cor da discórdia. A maçã que Éris atirou às deusas era vermelha. "À mais bela das deusas". E quem poderia dizer qual delas é a mais bela? Por isso Heitor morreu. E quando os deuses resolvem se intrometer nas contendas dos homens, o que está para acontecer não pode ser menos do que épico.

Ainda vai levar um bom tempo para que se apaguem as manchas vermelhas daquele banheiro, não importa quanto tempo durem essas vidas. Pois que algumas vidas podem durar apenas um respirada. Ou um suspiro. É também a cor da paixão, e se se apaixonar é assim tão difícil, por que definir e escolher uma cor para esse sentimento? Alguns amores podem durar também apenas um suspiro.

E quão terrível pode ser quando os deuses resolvem se intrometer nos amores dos homens? Não acho que eles façam isso, apesar de por vezes eles próprios fazerem parte desses amores. As definições dos níveis de gostar e se apaixonar são como os tons de vermelho. Cinquenta tons de vermelho numa paleta cromática que, na verdade, tende ao infinito. Não que paixão seja infinita, apenas as cores a são.

Não gosto de artigos, por isso meus títulos são sempre um substantivo, ou adjetivo, ainda as transformando em nomes próprios. Acho que todas as palavras têm o direito de, ao menos uma vez na vida, serem um nome próprio. Não é um vermelho, é o vermelho. Todos os amores têm também esse direito. Não é um amor, é o amor.

As linhas são tênues e sinuosas, divisões metafísicas, apenas outra forma de catalogação. Os diferentes tons de vermelho são só subdivisões, e alguém poderia chamar qualquer um deles de laranja. Gostar é só gostar. Paixão e amor são apenas títulos de nobreza, disputados pelos pequeno-burgueses da vida conjugal. Gostar é grande por si só.

terça-feira, 8 de janeiro de 2013

Glória

Vez por outra na vida de um sujeito, ele deve passar por um momento de enfrentar a glória. Deve olhar nos olhos da conquista, apertar as mãos da vitória. São momentos singulares, e singular é uma ótima palavra. Plural é singular, e singular não deveria ter plural.

O medo é apenas uma imposição. Nada mais que uma forma de coerção da pessoa para consigo mesma, pois que você não é capaz de fazer o que tem medo de fazer simplesmente por ter medo de fazer o que você não é capaz de fazer. O que não é o que não pode ser.

Frente a frente com a glória, o sujeito pode muito bem sentir medo. A glória é realmente aterrorizante, cara a cara com ela você sente que o que pode acontecer é tão bom, tão épico, tão glorioso, que não vale a pena arriscar que aconteça. Vale mais a pena limitar a glória. Pois que a glória gera responsabilidades, e ainda mais expectativas.

Todo mundo busca objetivos inalcançáveis, porém saber que algo é inatingível e continuar buscando é um realismo inconsequente. E é muito engraçado querer algo que você tem certeza que nunca terá. É melhor não saber. A vida é mais platônica que muitos amores.

Mas não é errado ter esse medo da glória, errado é deixar ele tripudiar sobre a própria vitória. Ainda há tantas glórias quantas possíveis sejam ganhar. E existe ainda muito medo, tantos quantos possíveis sejam sentir.