Abriu a janela lentamente. Dezessete andares de queda livre o observavam de baixo para cima, tal qual o maldito abismo de Nietzsche. Mas o abismo nunca olha de volta porque você olhou primeiro, ele na verdade não se importa minimamente com quem olha ou deixa de olhar pra ele. A visão que tinha diante de si estava, além de tudo, presa às leis de Newton, ela caía, sentia a gravidade. A gravidade que nos prende ao que nos importa, que deixa perto de nós todas as coisas. Mas é ela também que torna aquele abismo de tão intenso. É Isaac Newton que faz com que Friedrich Nietzsche seja tão perigoso...
Adorava janelas. Tinha uma leve queda por prédios. Janelas são o ápice da liberdade, por onde todas as coisas podem passar, entrar e sair, sem condições ou obrigações, por onde voam aqueles que estão presos ao céu. Ficou observando por longas horas, mas que pareceram minutos, tinha de lá uma bela vista, que começava no céu e descia à cidade, atingindo o chão.
E é no chão que está a base de todas as coisas, mesmo tudo o que voa esteve um dia no chão quando nascido. Tudo o que está preso ao céu, está também fatalmente e primeiramente preso ao chão. Lá estão as estruturas que permitem a existência desses dezessete andares, é novamente o céu preso ao chão.
Afastou-se lentamente da janela, mas a manteve aberta, deixando passar por aquele retângulo toda a liberdade existente. Sentou-se no chão do apartamento, um chão construído no próprio céu, por aquelas mesmas bases.
Pegou um bloco de liberdade na mão e o depôs sobre outro, começou então a preparar uma pilha de liberdades. O céu continuava passando pela janela lá fora, e no céu o tempo deve passar mais devagar. Pássaros são os principais e mais belos viajantes no tempo que existem.
A pilha de blocos estava cada vez maior, então ele puxou o bloco que sustentava a base, e deixou que todas aquelas liberdades caíssem. Elas desmoronavam uma a uma, ocupando os espaços que lhes cabiam em sua nova configuração existencial. Desciam em câmera lenta, não, lentamente mesmo, mais devagar do que a gravidade as puxava, mais devagar que o próprio tempo, mesmo no céu.
Pois então caindo, ele assim poderia diminuir a velocidade do tempo... Ao menos era o que parecia. Voltou a se encaminhar para a janela, observar mais um pouco. Percebeu então que construíra e destruíra suas próprias liberdades, e que podia agora construir e destruir o seu próprio tempo. Dezessete andares. Quão devagar passaria o tempo ao longo de dezessete andares? Juntou novamente suas liberdades. Janelas são, reafirmamos, o ápice da liberdade.
Era um mundo intenso aquele. Vivia regurgitando vidas. Usava blocos para tudo, eram dezessete andares de blocos. Entre os espaços ocupados do mundo, permeava-se o vazio de solidão. E sabe-se que há muito mais espaço vazio do que ocupado no universo. Ou talvez os espaços vazios estejam de fato ocupados de vazio, pois um buraco está sempre cheio de vazio. De qualquer forma, era muita solidão.
Por isso, ele construía o seu próprio mundo, se utilizando daqueles blocos, das liberdades, do seu tempo, um mundo de fantasias, mas que eram por muitas vezes mais reais do que a realidade em si. Mas ele olhava pela janela, observava o céu, e via o seu próprio tempo passar. Pelo seu mundo.
Uma ave então passou zunindo, bem próxima, cruzando o tempo. Uma fantasia ela também, uma solidão, um espectro alado de solidão viajando no tempo. Pulou. Dezessete andares, e que passaram muito lentamente. Teve tempo de observar cada centímetro e cada segundo da queda, o tempo passava bem devagar. Visualizou todo o mundo que havia construído, as bases, e vivenciou todo o espaço vazio de solidão que existia no universo daquela queda.
Então, em determinado momento da lenta queda, o tempo parou, e assim a queda também. Ficou estático em pleno ar por um mísero instante, e, logo depois, viajou no tempo. Passou por uma espécie de vista virtual de si mesmo, teve uma projeção astral e se viu viajando no tempo. Subindo novamente, dezessete andares de ascenção dessa vez.
Viajar no tempo é um mundo de fantasias também, de solidão e de liberdade. Viaja-se sozinho, mas é a melhor viagem possível. Destrói-se blocos, e os reconstrói de outra forma. Passa-se sozinho por todas as eras, por todas as coisas, sem a companhia nem mesmo do mundo real. Viaja-se de fantasia.
Parou novamente na janela. E novamente pulou. Dessa vez, sem viagens no tempo.