segunda-feira, 26 de agosto de 2013

Feliz da Barata

Éramos três homens de terno desfilando pelas cidades em um veículo amarelo. Temos o costume de conjugar o início de nossas histórias no passado, sempre "éramos" ou "era" ou "foi", não sei o porquê de fazermos isso sendo que as histórias continuam sempre. O certo seria Somos três homens de terno desfilando pelas cidades em um veículo amarelo.

E é isso mesmo o que somos, fomos e éramos, e ainda seremos enquanto o mundo for mundo, apenas por termos sido uma vez. Até porque existem fotografias nas quais estamos eternizados, de terno preto diante de um veículo amarelo. Imagina se usássemos óculos escuros, pareceríamos a máfia. Entra uma garota no carro, namorada de um de nós. Vestido preto com rendas e bordados, um sapato delicado de donzela. E ela desfila com os três homens de terno preto em um veículo amarelo.

Nessa tarde, celebramos a vida e as vidas, as idas e vindas e a união das vidas e das vindas. Agora há um casal que ruma para o Rio Grande do Sul, ou já deve até estar lá enquanto alguém (quicá você) lê esse determinado relato. O casal não usava terno, usavam amor, vestiam-se de amor da cabeça aos pés, e também desfilaram no veículo amarelo. Um casal que é amor desde sempre, e continuará sendo enquanto o mundo for mundo.

Após uma tarde de amores, ternos e veículos amarelos, algumas vezes usamos plural/plurais demais, a palavra plural também tem plural. Assim, no singular e acompanhado de plurais, cada homem de terno seguiu seu rumo em direção à noite. Desembarquei no local onde a maioria das almas desgarradas se unem, se juntam, acoplam. E lá estivemos, agora apenas eu de terno, às margens do caos, vivendo a própria ordem.

Acendo um cigarro. Não, acendem por mim, a fumaça se une a todas as outras fumaças. Juro pra você que é apenas neblina, termina o teu lanche, temos só até as dez, garota. Idas e vindas, muitas pessoas conhecidas, outras tantas desconhecidas. Mas essas almas desgarradas já sabem que esse lugar é propício para isso.

Encontro a quase-atriz, que não o foi por doença. O ex-amigo que ainda é amigo porque, oras, amizades não podem ser deixadas assim. Amigo uma vez é amigo sempre, mesmo que não o seja em tempo verbal presente. Somos três homens de terno, assim como, sim, ainda são amigos. Encontro também o trio maravilhoso, dançarinas da alma, as garotas mulheres que bailam ao som do palpitar dos corações ao seu redor. Encontro a musa das alternatividades, que em breve se destina ao litoral, talvez cansada da austeridade demagoga do universo inteiro.

Todas essas pessoas se conhecem e se desconhecem. Por fim, ainda de terno, sem veículo amarelo, e sem tantas outras coisas que me fazem alguma ausência no meio de tanta sobra, já no limiar da noite. Nessa hora, encontro a atriz que sim, ela sim é atriz, e é tanto quanto mais lhe possa caber em estatura diminuta, porém de um coração imenso, de mãe também.

Observamos quando um carro se aproxima. E pensávamos, ainda pensamos, que a noite não tinha ideias de piorar. A noite sempre arranja uma forma de piorar. Mas observamos a barata, eu pensava em um filme que vi outrora onde um escorpião iniciava a película e terminava a vida sob um pneu de um carro na estrada. A atriz, revelou-me depois, pensava em situação semelhante. Então, ainda agora, passa um pneu de um carro esmagando a barata, ceifando-lhe a vida, espalhando seus líquidos corpóreos pelo asfalto gelado.

Rimos. Era o que nos restava, é o que nos resta. Fim de noite, no lugar onde as almas desgarradas se encontram, onde os amores se acoplam, onde todos se conhecem e se desconhecem, onde tudo é plural e singular. Início de manhã, o ônibus chega. Feliz da barata.

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