quarta-feira, 26 de março de 2014

Sobre Ficar Maluco

Não são nada malucos esses nossos tempos. São, por outro lado, extremamente comportados. Cada geração tenta ser mais a geração perdida, e louca, e mais drogada que a geração anterior. Isso só funcionou até os anos 80. Os ídolos dos anos 90 eram um bando de fracassados, e nós somos os perdedores dos 2000.

Antes, quando os aviões não povoavam os céus, e nem sumiam dos radares, era possível ser um andarilho maluco, e caronear toda uma extensão de terras em busca de uma terra para a qual você não sabia que estava indo. Se desconfia de todo mundo hoje. São todos bandidos que vão roubar seu maravilhoso carro moderno e sua carteira recheada de desilusões. Mal sabem que estão sendo roubados de seus bens mais preciosos: o próprio tempo.

Antes, era possível ficar maluco e dar um tiro na cara de alguém. Hoje temos a doença dos mal-acabados, aqueles que continuam se acabando por toda a parca vida. As pessoas ficam malucas, e são encerradas em prédios brancos, de alvuras crônicas. Mais crônicas que suas próprias doenças. E lá ficam escondidas da sociedade, ou do que o valha. Se antes você ouvia vozes, era exposto para ela, e queimado numa majestosa fogueira.

Perdemos toda a magia ao longo do caminho, com restrições burras que impomos a nós mesmos. Não podemos mais ficar malucos e encher o corpo de drogas, porque hoje as drogas servem exatamente para curar a tua mesma maluquice. Não podemos abandonar tudo e sair por aí com uma sacola e a vontade de transformar esse mundo imenso em nosso quintal. Não podemos nem mesmo ficar malucos...

domingo, 23 de março de 2014

A Tristeza é a Coisa Mais Linda

Acho muito lindo quando um amor vira ódio. Pois que a vida é feita desses opostos, de peixes que sobem rios, enfrentam correntezas, sabendo que é ela que vai ajudar na futura existência de sua prole. De acasos que se tornam recorrentes. De saltos para precipícios imaginários. Mas sou um peixe que não gosta de água, e isso ninguém me tira.

Devemos acreditar a todo o tempo nessa angústia que floresce, que permeia nossa existência. A tristeza é uma coisa tão linda. Mas não alimentem os animais, e deveria haver uma placa dessas pendurada em cada coração. Não devemos desejar nada que não seja de verdade, não devemos alimentar falcatruas e inexistências, não devemos nos precipitar. Nos precipitar é nos tornar em precipício.

Mas nunca mais amei, e isso é terrível, nem falcatruas nem inexistências, nem nada parecido. Ainda frequento sonhos alheios, devo frequentar, ainda acordo sorrindo, sabendo que por 15 minutos foi recíproco, e foi exatamente isso que destruiu. Sentimento algum precisa ser recíproco, se ele existe por si só. Reciprocidade sim é falcatrua e inexistência.

Ainda acho que genialidade é mero acaso social, fruto de companhias recorrentes, e sendo assim nada do que se faz, sentido faz. Fazia de tudo, menos sentido. Não acredito em redenção, se nos perdemos uma vez, tudo está perdido para sempre, mesmo que recuperemos alguns pedaços. Ainda quero conversar com o cara que fez a vida assim tão triste.

sábado, 15 de março de 2014

Project Mayhen

Onde estão as nossas mentes? Todos nós estamos gradativamente nos destruindo, a todo momento. Acelerar o processo nada mais é do que parte do processo. Somos acondicionados a acreditar que temos controle sobre nossas vidas. Oras, a matéria orgânica não é muito de escolhas, ela segue sempre o rumo que as possibilidades oferecem, conforme a corrente.

Essa é a sua vida, e ela está acabando a cada minuto. Escorrendo de suas mãos, como grãos de areia fariam se algum dia você tivesse sido capaz de destruir castelos. Não destruímos de propósito nada do que temos, e construímos nossos castelos acreditando que eles durarão para sempre. Pois bem, vez por outra uma invasão, dos persas ou de bárbaros, vem e acaba com tudo o que você tinha.

Acreditamos viver para sempre, achando que o que fazemos pode perdurar. Todo grão de areia já foi pedra, e, no entanto, ninguém nunca saberá dizer qual pedra cada grão era, e de qual castelo teve a oportunidade de fazer parte da estrutura, quando em sua condição de rocha sólida e viril. Eu sou o castelo desmoronado do Jack.

Auto-destruição nada tem a ver com batatas fritas. Nada tem a ver com se embriagar uma vez por semana e acreditar ser alcoólatra. A maior parte do tempo, estamos apenas exagerando nossas próprias dores. Somos o centro de nossos universos particulares, aqueles para os quais ninguém mais dá a mínima.

Não somos lindas supernovas explodindo para maravilhar criaturas auto conscientes, somos meras combustões de cabeças de palitos de fósforo, que quando se apagam não fazem falta. Somos cansaço acumulado ao longo dos anos, como rochas sedimentares. Podemos morrer a qualquer momento, a tragédia é que isso nunca acontece.

terça-feira, 4 de março de 2014

Pede Quem tem a Oferecer

Triste estava a Gralha cabisbaixa, azul e triste como sempre, em céus azuis de nuvens brancas. Um sujeito de olhar perdido aporta, encara cada passante e cada ficante, mas sem a coragem de verificar a profundeza dos olhos deles. É necessário um bom tanto de coragem para encarar olhares.

O homem balbucia, expressa um certo tipo de pânico levantando as sobrancelhas repetidamente, um pânico da vida, de tudo o que a vida teria a lhe oferecer, porém puxou as mãos na hora de entregar. É um comportamento típico, oferecer para depois negar, estender a mão apenas para puxar no momento em que esta será segura. E é assim que a vida faz com todos que ousam precisar da ajuda dela.

Quem estende as mãos é o homem, mãos em concha, de sedento no deserto implorando por água. Muitos passam, a Gralha continua seu voo, muitos recusam aquelas mãos. Todos recusam. Aporta então uma mulher, não uma dama distinta da sociedade, apenas distinta por exclusão, sem damices, dessas que as vidas e as mãos também recusam. Ambos levam muito em comum, criaturas da raça humana, dessas que precisam solicitar à vida, dessas que estendem as mãos em concha.

Ironicamente, em ato involuntário, o homem estende as mãos em concha para a mulher. Eles parecem não se entender a princípio, ele apenas balbucia sem sons, ela fala de maneira ininteligível, trocam espasmos sonoros por alguns segundos. Ela enfim puxa do bolso uma moeda de valor corrente, e a deposita em suas conchas. Ele sai contente pela primeira arrecadação do dia, e vinda logo de quem, de quem também tem pedires.