segunda-feira, 17 de novembro de 2014

As Árvores Estão Perdendo as Suas Folhas


As árvores estão perdendo as suas folhas. Olhem para esse frio! Isso não é normal, está tudo muito errado. Estão todos completamente malucos! Já estive em muitos lugares, já andei viajando por aí, em veículos provisórios, em veículos malfadados, mas que nunca atingem seus fados. Toda vez que entro em um ônibus, torço intimamente, rezo, clamo, sei lá, para que dessa vez ele de fato se arrebente contra a mureta de proteção da auto-estrada e a arrebente, arrebentando-se depois contra qualquer barranco, abismo ou profundezas infinitas que existam em seu, e em meu, caminho também.

Obviamente, isso nunca acontece. Mas em todos esses lugares para onde fui, sempre tento traçar um paralelo com os outros lugares para onde fui. Existe uma escala, até certo ponto incongruente, mas que ainda está em desenvolvimento, que mede o quanto o lugar é maluco. E eu digo “aqui sim está um lugar maluco”, ou “não, esse lugar não é deveras maluco”. Claro que existem diversos fatores que influem nessa escala, e eu não faço a menor ideia de quais são.

Eu não faço a menor ideia de nada. Tudo o que estamos fazendo aqui é falhar miseravelmente em tudo o que estamos fazendo. Leio as mesmas coisas, ouço as mesmas coisas, vejo as mesmas coisas a todo o tempo, olho para os mesmos rostos cansados, e eles parecem joviais. Eles fingem ser joviais. Quantas pessoas respondem a um “tudo bem” com “não, ta tudo uma merda”? E elas não fazem isso por não estar tudo uma merda, mas sim porque preferem fingir ser joviais. E andam por aí sendo insensatas. A insensatez é a maior das doenças.

Fato é que a vida é uma coisa maravilhosa. É uma arbitrariedade tremenda também. Aquela velha e batida história da proteína que estava extremamente entediada nadando na sopa primordial, e em vista de seu tédio resolveu sintetizar RNA. Oras, malditos sejam teus retículos endoplasmáticos, as tuas mitocôndrias, e essa porcaria toda! Mas é tudo maravilhoso. Maravilhosamente maldito. Poder sentar um dia pela manhã e ficar observando as árvores perdendo as suas folhas, ou a neblina que se forma simplesmente porque faz um frio fora de época. Ou observar uma pessoa e um lugar ficarem completamente malucos.

Meu tempo passou. Eu estava à janela, observando os transeuntes carregando as suas vidas tediosas nas sacolas de compras. Vão aos shopping centers e voltam de lá carregando suas vidas nas sacolas de compras. Vão aos mercados, e compram suas próprias vidas embutidas, embaladas a vácuo, num sistema tetra pak para que durem muito mais. Afinal, oxigênio é o que estraga a existência, não é mesmo? Então fico observando à janela, enquanto a vida passa em minha frente, acena e vai embora. Oras, a vida tem mais o que fazer do que ficar esperando, certa está ela! Vai! Vai e não volta nunca mais! Sua maravilhosa maldição!

Estou perdendo as minhas folhas, elas estão todas ficando pelo caminho. Em alguma esquina, entrei pela viela errada, pelo caminho tortuoso, pela trilha gasta. Nesse caminho, não me acompanharam minhas folhas. Mas tudo bem, afinal, está tudo ficando maluco mesmo.

quinta-feira, 13 de novembro de 2014

Sobre Fugir

Certa feita, escrevi a uma garota determinada poesia. Amizade expressa, ela singelamente me olha e sentencia: "tenho em minhas mãos a coisa mais linda que até hoje alguém ousou escrever para minha pessoa". Naquele momento egocentrista, tudo o que pensei foi "chegará um dia o momento em que terei eu em mãos a mais bela coisa que alguém já escreveu para mim?". Oras, esse momento chegou.

Sinto saudades de sentir o sentimento bom de ter o estômago revirado sem precisar regurgitar. Aquela velha e recorrente metáfora das lepidópteras invadindo o aparelho digestório para denotar uma sensação boa. Criam casulos no interior de nossas tripas, procurando espaço entre movimentos peristálticos rosáceos, desacostumados a ver a luz. Casulos são transições, como todas as outras coisas que mudam, somos grandes casulos envoltos, atrapalhados por um metabolismo lento demais.

Saímos de casa. Tudo o que foi nosso um dia, nosso continua sendo. Pois que temos para sempre aquilo que nunca chegamos a perder. São nossas as nossas ruas por onde caminhamos em madrugadas memoráveis. Memorabilia. Física imemorial. Desfisicamente deixamos ambientes, ultrapassamos a velocidade do som, do som das vozes que nunca mais foram ouvidas.

E saímos, andamos a princípio. Lentamente como o bater de asas de uma criatura pesada demais, ou velha demais, ou fraca demais. Caminhamos e principiamos a trotar, passo apressado de quem expectativa chuva. Oras, mal sabem que quando a chuva vem, o mais correto é então parar, esperar o primeiro pingo, a primeira gota, e então dançar. A senhorita me concederia o prazer desta dança? Então corremos, o trote vira desabalada carreira.

Para onde vamos? Não sei! Corremos, e passamos (passamos a passos, correndo corramos) por todos os lugares que ainda são nossos. Fisicamente. Tenho memória do futuro, me lembro do que ainda está por acontecer. São nossos, mas lá não paramos. Vamos, para onde não sei! Em fuga fujamos. Fugimos. Para onde não sei. Pois que nunca paramos.

É como sempre disse: em qualquer nível, sentimento algum precisa ser recíproco. Mas quando o é, amigos, quando o é...

segunda-feira, 10 de novembro de 2014

Infinitas Atmosferas

Everybody is sad in the city of dreams
Everybody is happy in the city of sins

Tenho visto as coisas como que do fundo do oceano, com toneladas de água barrando tudo, a luz tem dificuldade em atingir minhas retinas. Tornam-se as coisas turvas e embaciadas, são meros movimentos involuntários, silhuetas ao longe. Então preciso nadar, buscar a superfície. Mas nada mudará o fato de que eu sou um peixe que não entra na água, pois que quando entro, enfrento resistência, obstinação, não devia estar fazendo aquilo. O oceano foi, é, e sempre será contemplação.

O mundo está repleto de erros, de coisas erradas e arrependimentos. Todos esses erros esperam por aí, andam a esmo, esperando para serem cometidos. É simples, é fácil, e é também como os movimentos involuntários, você chega lá, encontra um erro te observando, e o comete simplesmente. E com tantos vistosos e variados erros por aí, apenas esperando para serem cometidos, me pergunto o porquê de cometer sempre os mesmos.

Por vezes, ouve-se também um chamado. Um bater de asas na madrugada, quando o silêncio mesmo do infindável oceano impera. E, oras, é um chamado do não-erro, conclamando a não entrar na água. Lembre-se sempre de que tipo de peixe você é. Voltemos, então. Caminhares na areia, e quem é você? Quem é e o que faz, quando faz esforços desmedidos e auto-flagelantes em prol de qual quem mesmo? Olhe só para esses erros voando à nossa volta. Não, não são as asas de antes, eles estão indo embora.

Enfim um dia disseram você pode ser o que quiser oras decidi não ser nada. Mas decidi também que todas as vírgulas são aspas que caíram. Como anjos caídos vírgulas são criaturas decadentes impeditórias pensei em não mais usá-las como erros recorrentes. Vírgulas são erros. Também já desejei não enxergar. A visão é um erro. E aí é bom estar preso no fundo do oceano sou criatura abissal com esmerado gosto. Fiquem aí embaciados turvos entre-vírgulas. Fiquem erros. Fiquem com essas asas que batem e que mesmo quando não batem eu sei onde está o oceano. Volto ao meu chamado não quero enxergar não quero mais vírgulas.

segunda-feira, 3 de novembro de 2014

Sobre Ouvir o Sentir

Ouça o chamado da noite
Que te sobe pela alma em calafrio
Que conclama o que tem das tuas forças
E segura as tuas ondas em falso brio

Ouça esse pio melodioso
Esse rito de um alar em puro breu
Pela rua, pela areia, a pé nas águas
Volta cedo nesse mundo que perdeu

Ouça esse mar cheio de fúria
Que implora negociar auto-perdão
Esquecer que pelas noites já só chora
Não viver, nem pelo sim, nem pelo não

Ouça a areia estrepitar
Com passos que só trazem volta a nada
Esse peso inflamado nesse peito
E a janela permanecerá fechada

Ouça, que a noite logo esvai
Pra deixar a sós remoendo seu chamado
O que queira entrar, o que queira sair
O que fica do que foi lá escutado