quinta-feira, 26 de janeiro de 2017

Eu não Estava Entendendo Nada do que Estava Acontecendo

O presente não está na forma, mas na intenção, assim como a presença. É uma coisa até meio semiótica, não ouvimos o significante, mas sim o significado. O significante é mera ferramenta. O objeto que se dá de presente é significante, mera ferramenta, o que importa está na intenção, no significado, no valor que não é possível atribuir monetariamente. Assim também o é com a presença, não importa o que faremos, desde que façamos juntos.

Fomos instruídos a pensar em forma e conteúdo, a saber como e do que se fala. Como e do que qualquer coisa. Para o futuro, talvez nada disso tenha importância. Estamos caminhando para o mundo da ausência de forma específica, tudo é capaz de ser todas as coisas. Ainda bem, quem sabe assim algum dia possamos finalmente ser o que quisermos. Artifícios metamórficos pós-modernos. No futuro, talvez haja mais o que fazer, talvez ninguém nunca mais faça nada.

Comigo não é oito nem oitenta, comigo é a soma dos dois, o tudo e o nada, eu não acredito em neutralidade, em mediocridade, eu sou oitenta e oito! Gosto de tudo que é intenso, vívido, que brilha. Quero explodir de tanto viver, de tanto amar. Quero que não reste molécula em meu corpo para contar a história do que aconteceu. Quero a intenção, o conteúdo e o significado.

Todo mundo é um mundo. Cada um com suas próprias relações de intensidade com o mundo. Neutralidade para mim tem um conceito diferente do para os outros. E tudo bem! Não há muito o que se debater, só ouvir. Quero ouvir todas as histórias, quero ler todas as histórias. Me contem as suas histórias! Deveríamos dividir mais mesas. Perguntar o que os outros têm a dizer.

Por fim, não precisamos entender nada do que está acontecendo, desde que sintamos. O que importa é o conteúdo, a forma é irrelevante, isso vale para toda e qualquer semiótica do mundo. Eu adoro não entender nada do que está acontecendo. Me dá uma liberdade incrível para apenas sentir.

sexta-feira, 6 de janeiro de 2017

Água II

Água é a essência da vida. E se certamente isso já foi falado por aí à exaustão, repetir não me parece ser problema nenhum. Afinal, praticamente tudo o que se escreve já foi escrito antes. Se bem que soube outro dia que a linguagem é tão múltipla que é bastante provável que uma frase qualquer que você profere no seu dia a dia nunca tenha sido proferida antes exatamente daquela maneira com exatamente aquela construção sintática.

Mesmo assim, mesmo que cada frase sua seja completamente inovadora, a essência do que se diz já foi dito. Quase tudo o que se escreve já foi escrito. Mas nem tudo aquilo que se sente já foi sentido. Um sentimento pode ser comparado a uma construção sintática completamente original, a essência dele pode já ter sido sentida, mas aquela construção específica é única. Assim também é a água. Mesmo que um lago seja água desde sempre, aquele filete, aquelas gotas específicas, aquele centímetro cúbico é completamente único.

Eu mesmo já falei sobre a água outras vezes. Vivo a água com frequência na minha vida, sinto a água. Essa criatura gigantesca e atraente que faz parte de nós mesmos, que ocupa nossos próprios corpos, que parece ter uma vida própria e se apossa também de todas as outras vidas, adentrando liquidamente os seus corpos.

Somos duas criaturinhas feitas de água. Dois seres de essência líquida em um mundo sólido. Duas gotas de chuva dançando em queda livre pelo espaço rumo ao solo. Dois sprinklers ligados com seus jatos entrelaçados no quintal em um dia quente de verão. Dois afluentes serpenteando pelo vale encontrando-se em forma de rio. Duas gotículas de névoa condensando-se em orvalho em uma frágil folhinha verde de grama.

Outro dia, soube da história do sujeito que morreu e acabou indo parar em uma fonte depois de vagar por aí. Ficou lá por um tempo e com a vivência acabou se tornando cada vez mais parecido com aquele meio e com as criaturas dali. Isso porque os seres desencarnados são muito mais adaptáveis com relação a sua forma física. Ele se tornou a água.

Todos podemos ser mais água. Mais adaptáveis, líquidos que ocupam os espaços vazios de qualquer recipiente. Fluir pelos caminhos construídos para as correntezas, para o fluxo. Todos podemos ser mais vida. Mais sentimento também, água é sensação. Mais únicos e originais, e sentir que aquilo que está sendo sentido tem uma essência completamente inovadora, mesmo que já tenha sido sentido à exaustão na história do mundo.

Nós dois, criaturinhas da água, chamamos a chuva, mesmo que sem querer. Nos liquefazemos em um abraço dessa sensação original. Em um momento de distração, percebemos que a tempestade nos observa com seu vento chicoteante, e não fugimos dela, não fugimos de água alguma. Somos a água e somos duas criaturinhas feitas de água com todo o sentimento que dela verte.

quarta-feira, 4 de janeiro de 2017

Cada Marinheiro tem seu Próprio Ritual

Eu não sei como conduzir este texto. Seria fácil fazer um resumo da semana vivida na estrada recentemente utilizando apenas palavras-chave como: sapo, trem, quatro elementos, anão, butuca, piscina, acampamento, jaguatirica, areia, sol, trilha, caminhada, mochila, guia, camarão, rio, etc., e assim por diante. Fico pensando em como cada decisão textual empregada aqui pode mudar o rumo das coisas, a compreensão e o impacto dessas histórias.

Diversas teorias discordam sobre como funcionaria a viagem no tempo, se é que ela funcionaria. Mesmo assim, em um aspecto parece haver uma certa concordância, que é no principal problema que seria ocasionado pela possibilidade de se transitar pelo tempo: os ripples.

Ripples são ondulações, aquelas ondinhas causadas em uma superfície líquida pelo impacto de uma pedra ou pelo movimento de um animal. Em viagem no tempo, ripples são as consequências geradas por uma alteração no fluxo temporal. Um fator, por menor que seja, pode causar mudanças gigantescas no futuro. É a história do bater de asas da borboleta, do ônibus que você perdeu porque derramou café na própria camisa e precisou trocar, da decisão tomada em uma bifurcação.

Todas as nossas atitudes geram consequências em todos os prazos. E consequências que geram consequências. Assim, sempre nos perguntamos o que teria acontecido se o caminho fosse diferente. Eu já quis ser marinheiro. Provavelmente ainda quero. Aquilo de me ver cercado por quatro horizontes líquidos, sem terra, sem porto seguro para onde se olhe. Não sei como seria hoje a minha vida se marinheiro eu fosse, não sei em quais litorais eu estaria.

Fato é que ninguém pode compreender melhor as histórias do que quem as viveu. O ritual deste marinheiro para produzir este texto é diferente do ritual deste marinheiro para pegar a estrada, assim como para viver. Cada um dobra as meias como lhe convém, estende a toalha ao sol como lhe cabe, limpa os pés da areia como lhe interessa.

Lá, vimos ripples para onde olhássemos. Nesses pequenos rituais diários. Veremos ripples ainda como consequências daqueles dias, de como aquilo mudou quem esteve lá. Gostaria de poder exprimir tudo que senti na virada de ano, nesse grande ritual coletivo, naquele momento incrível daquela semana incrível vivido e proporcionado por pessoas incríveis, mas não sou capaz por meio desses rituais ou de qualquer outro.

Essas águas irão nos acompanhar até o fim de nossa viagem, ouvimos isso logo no começo dela. E nos acompanharam mesmo, tanto que no fim dessa viagem, oferendei meu chapéu a Poseidon. Espero que ele aceite, espero que ele goste de chapéus.