quarta-feira, 22 de outubro de 2014

Eu Sou o Vento no Trigal

Quem já foi flor na primavera
Já fui amor em outras eras
Sou o vento na janela
A dúvida que nunca quebra
A peça que não faltou
Quem amou em sua era
Nunca deixa de ser flor
Quando sobem as águas
É tempo de umidade
É tempo de florada
O vento gira e procura
Mas a florada vai esperar
Vento em ação
Flores em profusão
O mundo é grande demais
Pra tão pouco tempo
Pra tão pouca água
E tão pouco tempo
E tão pouco vento
Se não fizer sol
O trigo não vai brotar
Estou aqui
Eu sou o vento no trigal

quinta-feira, 16 de outubro de 2014

Stardust

É como eu estava te dizendo agora mesmo: nossa história começou há uns mil anos, quem sabe antes. Talvez tenhamos desbravado as planícies da Bretanha juntos, ou construído pirâmides, derrubado impérios, quem sabe você tenha sido a Cleópatra desse César aqui. Os detalhes das histórias não importam muito, o que importa é que elas aconteceram, e a nossa história começou há muito tempo.

Todas as histórias começaram há incontáveis anos. Você certamente já ouviu dizer que somos feitos de materiais que se originaram no núcleo das primeiras estrelas, alguns segundos depois do big bang. Pois bem, isso é verdade, cada partícula do seu corpo perene já esteve rodando pelas galáxias, já foi matéria, já foi componente químico de minerais flamejantes, já foi composto orgânico de outras vidas. Tudo já foi outras coisas, e certamente será ainda muitas outras.

As histórias são todas iguais, as pessoas são feitas dos mesmos materiais. Sorriem e choram aqui e acolá em expressões semelhantes. Existe sempre a parte boa e a parte ruim. Mas é absolutamente incompreensível o porquê de alguém abandonar a possibilidade das coisas boas, apenas em virtude da existência das ruins. É como se esconder dentro de casa em um lindo dia de tempo aberto, céu limpo e ares refrescantes, apenas porque um dia pode ser que venha uma tempestade. Medo de sentir medo é medo também.

E as histórias vão se repetindo. Quero saber quanto de mim já foi dinossauro. Será que os megalodons sorriam e choravam? Será que os brachiosaurus derrubavam impérios? Será que os compsognathus construíam pirâmides? Alguém aí já originou uma estrela? Será que as estrelas sentem medo de ser supernova? Geramos estrelas todos os dias, certamente estrelas são grandezas relativas. Espero que algum dia toda essa matéria que hoje é eu, é nós, volte a rodar as galáxias por aí, e que, quem sabe, desbravemos juntos uma vez mais as planícies da Bretanha.

sábado, 11 de outubro de 2014

Ensaio Sobre a Tristeza

Ainda quero conversar com quem fez a vida assim tão triste. Não que isso seja ruim, definitivamente não é. Mas eu gostaria de saber o que pensa, onde vive, como gosta da gema do ovo. Acontece que a tristeza anda à nossa volta, em tudo o que não temos ou perdemos. Apesar de não ser só isso, definitivamente não é. É muito mais, é um modo de viver, é andar sozinho pelas ruas, é olhar o céu procurando estrelas, é sentir-se mal mesmo quando tudo vai bem. É viver na medida do impossível.

Everybody is sad in the city of dreams. Aquelas almas andavam à esmo, sem rumo qualquer, almas perdidas há várias gerações, sendo as mesmas almas que um dia foram seus pais. Paravam em cada esquina, observando os passantes. É noite, as criaturas notívagas saem de suas tocas, tudo por aqui é pretexto, é tudo uma tentativa falha de motivação. Há tanta companhia e tanta ausência ao mesmo tempo. Tudo, absolutamente tudo, parece o que não é.

Quem sabe um dia, depois de tanto tentar nos enganar, consigamos provar a nós mesmos que não somos assim tão tristes. Por isso andamos tanto por essas ruas, procurando esbarrar em um passante qualquer. Por isso nos utilizamos de todas as substâncias alteradoras de consciência possíveis. Por isso respiramos a noite, e deglutimos o tempo através de um esôfago ofídico. Mas não é assim tão simples, tentamos a todo momento nos convencer de verdades que nunca foram verdades, e nunca serão. Continuaremos com nossas tristezas.

Na verdade mesmo, a tristeza está em todos os lugares. Anda impregnando o próprio ar. Quase consigo tocá-la com as mãos, acariciá-la, pedir pra que ela me deixe um pouco sozinho. Cada átomo de oxigênio navegando as minhas veias carrega consigo uma partícula de tristeza. A coisa mais estranha desse mundo é saber exatamente qual vai ser a causa da sua morte. Idi Amin sabia, mas não contou pra ninguém.

E o ar me foge, fica difícil respirar. Até as tristezas fogem, são aquela música que fica tocando como som ambiente, bem baixinho lá no fundo, até o ponto em que praticamente só se ouve uns estalos do grave. Com a tristeza impregnando o próprio ar, é isso que respiramos quando conseguimos respirar. Tudo à nossa volta devaneia, nas ruas as almas ainda vagam em busca de seu lugar. Prefiro meu ovo com a gema mole. O fato é que não se morre de tristeza, se morre da falta de ar. De tristeza só se vive.