Tenho percebido a vida passando por mim como se eu estivesse dentro de um túnel. Um daqueles profundos, largos e escuros túneis do metrô, onde ficamos presos no vagão, estáticos pela lei da inércia, enquanto as paredes deslizam sorrateiramente, sem privilegiar nenhum detalhe de si próprias, como se fossem apenas uma infinita massa disforme.
Vez por outra uma estação de parada surge no horizonte. Não as vemos com muita antecedência, o próprio formato da vida não o permite, é um túnel longo e a divisória dos vagões não permite ver longe. Mas percebemos seus sinais, antes da estação sempre há uma grande incidência de colunas surgindo nas paredes do túnel. Manchas cinza de concreto que aparecem ritmadamente, com cada vez mais frequência conforme a velocidade da vida diminui para parar na estação.
Na estação, podemos ver centenas de cartazes com propagandas, manifestos, anúncios, campanhas. Algumas pichações, um ou outro mendigo dormindo, uma multidão de pessoas sem alma. E então a viagem começa novamente, a velocidade aumenta, o tempo continua vindo na minha direção, distorcendo as paredes do túnel.
Engraçado como o primeiro fato de nossas vidas não fica marcado em nossas memórias. O nascimento certamente é uma experiência traumática. Imagino que deixar o conforto do útero quentinho, da segurança do líquido amniótico e da alimentação conduzida ate nós não deve ser nada fácil. Sair para enfrentar um mundo vil que se desloca a uma velocidade inacompanhável, deixando à vista apenas os rasgos aparentes de avisos de 'não ultrapasse a faixa amarela'. Não surpreende que não lembremos dessa experiência.
A partir daí a vida acelera. Nosso objetivo primordial e único assim que nascemos é morrer. Na primeira respiração começamos a nos atribuir objetivos novos, e vamos levando-os adiante, sem parar muito para olhar as paredes do túnel. Estamos estáticos dentro desse vagão que nos foi dado. A vida vem vindo até nós, profunda, larga e escura.
Então percebemos que a nossa vida está passando num túnel. Que precisamos de bifurcações, que precisamos mudar o rumo do metrô, parar o maquinista, descer do vagão e subir as escadas rolantes, respirar o ar puro! Não precisamos de trens-bala chegando a seus destinos a 600 quilômetros por hora. Precisamos parar e observar a paisagem. Precisamos diminuir o ritmo e ler os avisos, olhar para as paredes prestando atenção aos detalhes geralmente imperceptíveis. Ou o trem nunca parará, até onde não houver mais trilhos.