quinta-feira, 26 de novembro de 2015

A Vida num Túnel

Tenho percebido a vida passando por mim como se eu estivesse dentro de um túnel. Um daqueles profundos, largos e escuros túneis do metrô, onde ficamos presos no vagão, estáticos pela lei da inércia, enquanto as paredes deslizam sorrateiramente, sem privilegiar nenhum detalhe de si próprias, como se fossem apenas uma infinita massa disforme.

Vez por outra uma estação de parada surge no horizonte. Não as vemos com muita antecedência, o próprio formato da vida não o permite, é um túnel longo e a divisória dos vagões não permite ver longe. Mas percebemos seus sinais, antes da estação sempre há uma grande incidência de colunas surgindo nas paredes do túnel. Manchas cinza de concreto que aparecem ritmadamente, com cada vez mais frequência conforme a velocidade da vida diminui para parar na estação.

Na estação, podemos ver centenas de cartazes com propagandas, manifestos, anúncios, campanhas. Algumas pichações, um ou outro mendigo dormindo, uma multidão de pessoas sem alma. E então a viagem começa novamente, a velocidade aumenta, o tempo continua vindo na minha direção, distorcendo as paredes do túnel.

Engraçado como o primeiro fato de nossas vidas não fica marcado em nossas memórias. O nascimento certamente é uma experiência traumática. Imagino que deixar o conforto do útero quentinho, da segurança do líquido amniótico e da alimentação conduzida ate nós não deve ser nada fácil. Sair para enfrentar um mundo vil que se desloca a uma velocidade inacompanhável, deixando à vista apenas os rasgos aparentes de avisos de 'não ultrapasse a faixa amarela'. Não surpreende que não lembremos dessa experiência.

A partir daí a vida acelera. Nosso objetivo primordial e único assim que nascemos é morrer. Na primeira respiração começamos a nos atribuir objetivos novos, e vamos levando-os adiante, sem parar muito para olhar as paredes do túnel. Estamos estáticos dentro desse vagão que nos foi dado. A vida vem vindo até nós, profunda, larga e escura.

Então percebemos que a nossa vida está passando num túnel. Que precisamos de bifurcações, que precisamos mudar o rumo do metrô, parar o maquinista, descer do vagão e subir as escadas rolantes, respirar o ar puro! Não precisamos de trens-bala chegando a seus destinos a 600 quilômetros por hora. Precisamos parar e observar a paisagem. Precisamos diminuir o ritmo e ler os avisos, olhar para as paredes prestando atenção aos detalhes geralmente imperceptíveis. Ou o trem nunca parará, até onde não houver mais trilhos.

sexta-feira, 6 de novembro de 2015

Crônicas da Rua

1 - São todos uns idiotas. Alguns são mais idiotas do que os outros, e alguns são idiotas por razões diferentes. Mas são todos uns idiotas.

2 - Naquele tempo, andávamos em um auge de insanidade. As noites eram frenéticas e, não raro, duravam um final de semana inteiro. Víamos o sol nascer de um lugar diferente a cada dia. Sem nem saber direito para onde ir, íamos aonde desse vontade. Em uma noite específica, havíamos deitado a cidade aos nossos pés, éramos os reis da rua, todos se ajoelhavam e nos louvavam à nossa passagem. A caminho da madrugada, fomos parar em um apartamento onde todo mundo estava nu. Dormimos exultantes com nosso reinado.

3 - Não tenho paciência para quem me dá sono. À minha volta, preciso das pessoas insanas, de quem não teme a morte e muito menos a vida. Quem está disposto a aceitar tudo o que o mundo tem a oferecer. Caminho lado a lado com esses bandidos corruptores incorruptíveis, ladrões de coisas mais nobres, vencedores do tempo. Esses que tiram a vida para dançar e bailam brilhando por onde os outros caminham.

4 - Eu não me apaixonava havia dois anos. Desejava constantemente que ela ainda estivesse participando das minhas aventuras, em lugar de apenas povoar meus sonhos. É disso que a matéria-prima da vida é constituída: ansiar por algo que não temos, que está distante. É o que nos faz sair por aí entregando jornais ou fechando grandes acordos. Ao menos, o mundo estava cheio de paixão voando por todo lado, mesmo que não acertassem muita coisa. Os amores são aves cegas.

5 - Às vezes, tenho a sensata impressão de que já ouvi todos os papos. Todas as conversas já foram tidas, são assuntos cíclicos. Por isso, abandonei as discussões e os debates, nunca se chegava a lugar algum. E eu já sabia há algum tempo que a melhor forma de tirar da cabeça algo que estava incomodando, era fazendo um furo nela.

6 - Parei para observar o oceano. Observar é um termo pequeno para o que eu fazia com os mares e as marés. Era como se eu conseguisse sentir ele de uma maneira superior. Eu chamava aquilo de contemplação. Fiquei parado na areia, a espuma branca dançava graciosamente ao forte vento e tive vontade de filmar aquilo. O mar revolto quebrava, ia e voltava. Fazia frio. Os litorais são como vírgulas, já disse certa vez, continente nenhum tem ponto final. Acabaram me chamando e fui embora. Eu realmente gostaria de ser um rio.

7 - As pessoas que caminham pela rua me interessam, naturalmente. Gosto de observá-las, ler seus pensamentos óbvios. Sento em um banco e fico esperando algo acontecer. Na rua, todos estão carregando consigo seus objetivos em uma sacola. Posso ver a marca das grandes lojas: sonho; anseio; emprego; amor; amizade; problema; dívida; decisão; viagem; novidade; morte. Cada um desses grandes conglomerados comerciais que estampam as sacolas que carregamos por aí.

Epílogo - Aguente firme querida, é um mundo muito louco.