terça-feira, 9 de outubro de 2012

Em Alta Velocidade

Ontem, saí alta noite do bar onde estava com alguns amigos, e peguei o carro do qual era responsável. Estava bêbado, não absurdamente, havíamos bebido bastante, porém em bastante pessoas. Num rápido cálculo mental, contabilizei umas quatro ou cinco latas por pessoa na média. Mas como não sou dos mais fortes para o álcool, estava suficientemente bêbado.

Me dirigi e dirigi para um lugar relativamente isolado, era madrugada e eu sabia que lá as chances de prejudicar alguém eram reduzidas a quase zero, eu estava lá por minha conta e não queria atingir ninguém. É naquela rodovia que corta a cidade, todos conhecem e passam por lá com frequência, tem nome de metal pesado.

Numa longa reta, comecei a acelerar, trocando as marchas rapidamente. As paisagens passavam cada vez mais rápido, árvores e casas e cercas e placas e tudo o mais. No retrovisor eu via o reflexo das luzes artificiais de iluminação pouco coesa. O velocímetro subindo, todos os ponteiros do painel colorido agitando-se gradativamente.

Ninguém é obrigado a viver, ninguém é obrigado a morrer. Velocidade é apenas uma forma de cortar o tempo/espaço, e devem existir outras. Conforme o carro ia mais rápido, memórias surgiam em minha mente, todas as situações que me levaram até aquele momento, e a certeza de que a escolha de estar ali era unicamente minha. Escolha consciente, diga-se de passagem, pois ninguém é obrigado a viver e ninguém é obrigado a morrer.

Quando o ponteiro do velocímetro atingiu a marca de 180 km/h, eu sabia que não me restava muito tempo. A reta era longa, mas eu já havia cortado boa parte dela, e cada vez mais rápido o espaço a se percorrer seria vencido em menos tempo, eu tinha certeza absoluta do que não fazer naquela curva que se aproximava.

Nos 240 km/h então aconteceu a coisa mais intensa que eu vivenciei em toda essa vida desregrada. Eu saí para fora de meu próprio corpo, como se ele não tivesse sido capaz de acompanhar a velocidade, e o carro estivesse agora viajando à frente dele. Era algo como projeção astral, se é que esse nome se faz adequado. Eu estava lá em cima, e via o rápido deslocamento do veículo e a aproximação da curva definitiva.

Então comecei a diminuir a velocidade, sem qualquer tipo de desespero, eu não estava desistindo da escolha anterior, só estava praticando uma nova escolha. O carro reduziu sua velocidade gradativamente, e a curva parecia na verdade estar ficando mais longe, pois que aquela curva era mera metáfora. Eu não era obrigado a morrer, apesar de não ser obrigado a viver.

Parei do carro, desci do veículo e olhei pro céu, lá longe aquelas estrelas não têm a capacidade de escolher, ninguém nunca falou pra elas em livre arbítrio. Por isso, a morte delas é mais próxima que a nossa. Porém, eu tinha a possibilidade de colocar tudo na balança, e uma vida é feita de medires. Vida, morte, são coisas relativas demais, metafísicas demais, coisas que carro algum pode explicar, e que velocidade nenhuma pode escolher.

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