sexta-feira, 22 de agosto de 2014

Comodismo

Atiro pedras em galinheiros por aí, mas nunca saio correndo. Gosto de ver o circo pegar fogo, mas gosto de estar dentro do circo. Onde conseguiste essa pedra tão bonita? Ela é perfeitamente oval, lisa, como aquelas pedras de fundo de rio, moldadas pela correnteza dos anos, por essa afluência vívida que passa por nós dia após dia, nos tornando ovais e perfeitamente lisos.

Qual a razão de sair um dia de onde estivemos? Qual a razão de lutar batalhas perdidas, enfrentando inimigos imaginários? A derrota está dentro de cada um. E quando não há batalha, não há derrota. Podemos apenas sentar à beira do precipício, e parar observando o abismo que se estende verticalmente aos nossos pés. A vontade de pular será imensa, maior que o abismo. E, ah!, que batalhas maravilhosas, nem perdidas nem imaginárias, enfrentaríamos nessa queda. Mas oras, certos saltos de fé não devem nunca ser dados.

Os piores abismos são os horizontais. Aqueles que nos fazem querer mudar tudo, abandonar tudo, nossos relicários acumulados ao longo de vidas inteiras. O mais importante dos relicários é a memória. Para cair nesses abismos é necessário muito mais do que saltos de fé, é necessário abandonar até mesmo os nossos relicários.

Toda atenção é dividida, tudo depende do foco que se dá. É difícil ser bom em tudo, pior é ser excelente em nada. Prioridades e vertentes nunca exploradas, ou exploradas superficialmente, rios caudalosos nunca nadados. E mais importante é o interesse que se dá, mas você tem coisas mais importantes para lidar. Queremos abraçar o mundo todo, com os mesmos braços, e talvez faltem abraços.

Queremos mudar, queremos tudo o que os abismos horizontais e verticais nos têm a oferecer. E estendemos braços em abraços pequena-porção, até que sinta-se o mundo inteiro abraçado. Queremos mudar, mas não percebemos que de fato mudamos, mudamos em pequena-porção, em pequenos saltos de fé, que um dia se tornam abismos, que um dia abraçam e mudam o mundo todo.

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