sexta-feira, 10 de junho de 2011

Crônicas do Cemitério

Gosto de trabalhar no cemitério.
A morte nunca foi um tabu para mim, sempre soube que é esse o destino de todas as coisas viventes, e que toda criatura ao nascer tem como única perspectiva morrer. O que acontece nesse intermédio é lucro.

Quando vim trabalhar aqui algumas pessoas comentaram que "será o lugar perfeito pra você trabalhar" e "tem tudo a ver com você". Talvez a minha morbidez não seja tão absurda, ela é só natural, não vejo a morte como algo tão triste assim, as vezes ela até é uma coisa boa. O problema é que as pessoas geralmente não têm uma perspectiva tão aberta, elas não querem morrer, não querem que as pessoas que gostam morram, e por isso não se preparam para o inevitável, e quando acontece, a dor da perda se torna muito maior do que a vida que a pessoa que está partindo viveu.

Nas últimas semanas têm sido demolidos uns túmulos antigos, de 1988, os primeiros do cemitério, que já nem têm dono mais, talvez até os donos originais já estejam dentro deles. Acontece que a maioria dos sepultados nesses túmulos deteriorados e corroídos pelo tempo são crianças, recém-nascidos, que sequer chegaram a três, quatro dias de vida, muitos saíram mortos de seus respectivos úteros.

Nasci em 1988. É estranho ver pessoas que teriam hoje a minha idade e nem chegaram a viver, poderíamos ser amigos, companheiros de farra, talvez uma namorada, idealistas, quem sabe estaria um deles aqui comigo nesse exato momento.

Sempre fui a favor da mortalidade infantil, por mais absurdo e desumano que pareça, mas fato é que eu sou meio desumano mesmo. Mortalidade infantil é controle populacional, e não vou entrar aqui em detalhes dessa minha opinião. Mas ver a situação por esse ângulo diferente me faz pensar, titubear, não a ponto de deixar consternado. É que pra essas crianças o tempo nunca passou, mesmo hoje elas ainda têm quatro dias, e são lembradas por familiares com os rostinhos que saíram do corpo da mãe, se é que são lembradas. Essas crianças não têm amigos, namorados(as), ideais, e nem estão aqui nesse momento, porque o momento delas foi outro.

E é estranho pensar nisso...

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