segunda-feira, 18 de janeiro de 2016

Carta de Adeus - Tomo II

...porque foi um tipo de sonho que perdeu-se para sempre, mas de uma maneira diferente do tradicional perder-se para sempre. Não foi apagado pelo fraquejamento da memória recém-desperta e ainda não acostumada ao mundo real, afetada pela transição entre o onírico do sono e o onírico à nossa volta. Mas sim um sonho irrecuperável, daqueles que é possível lembrar nos mínimos detalhes, mas que não mais voltarão.

Nossa percepção é capaz de obedecer somente a padrões demasiadamente limitados. Não compreendemos o mundo em toda a sua imensidão, não compreendemos sequer a nós mesmos e nossas peculiaridades. Sabemos que o que regula as decisões atribuídas a corações loucos e insensatos é, na verdade, uma pequena porção de enzimas e hormônios. Mas até que ponto podemos determinar as parcelas de culpas delas, e a parcela de culpa dos corações loucos e insensatos, isso ainda é uma incógnita.

Prefere-se o romantismo da dúvida. Se não entendemos plenamente, podemos incutir um bom bocado de magia na coisa. É assim que funciona com todos os nossos não-saberes. Não sabemos do futuro, embora possamos conjecturar; e não sabemos nem mesmo do passado. Tenho a impressão de que uma parte de nossas memórias nunca chegou realmente a acontecer. O que chamamos de memória é um ajuntado do que vivemos e do que acreditamos ter vivido.

Não me lembro mais o que aconteceu no mundo real e o que se passou apenas no mundo dos sonhos. Não me lembro mais quanto de você é uma fantasia onírica e quanto existiu comigo de verdade. Tenho vivido realidades paralelas e não sei mais se alguma delas é real. Tudo o que sei é que a presença já é ausência, e, quanto a isso, tudo bem.

De qualquer forma, sem mais empecilhos pseudo-literários, te digo adeus, como se desfaz de um sonho pela manhã, quando o relógio despertador apita incansavelmente e o dia insiste em começar. Te digo adeus como te disse olá, com a mesma naturalidade de uma estrela em explosão de supernova. Te digo adeus com uma carta como tantas que já escrevi. Enfim, te digo adeus pela última vez, e volto a dormir, no aguardo do próximo sonho.

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