quinta-feira, 14 de janeiro de 2016

Carta de Adeus - Tomo I

O onirismo excedente de minha alma com frequência se manifesta durante a vida desperta. Nunca precisei dormir para sonhar. Não acho que o sono seja o caminho do sonho, acredito que eles apenas se manifestam correlatamente para a maioria das pessoas em virtude da conveniência da ausência de atividades mais pragmáticas durante a noite. Mas eu sonho o tempo todo.

Lhe escrevi cartas. Diversas cartas sem endereçamento postal. Não confundamos: destinatária havia, remetente havia. Só não havia porquê entregar. Ou como. Há que se fazer justiça ao bem da verdade: as cartas foram sim entregues. De uma maneira ou de outra, mesmo que não fisicamente, mas tudo que houve para dizer e escrever em linhas azuis, dito foi, escrito foi, entregue até mesmo pelo abstrato canal de um simples olhar.

Nunca cheguei a me desacostumar com o brilho fosco da tua presença. Parece que ainda vou encontrar você na próxima esquina, entre os transeuntes anônimos e sem face, entre essas pessoas que carregam suas vidas em uma sacola barata de mercado. Você se destacando imensamente, com um brilho fosco que só agora consigo definir, uma luminescência errante e com um quê de errada. Extremamente marcante, e, ainda assim fosco, turvo, opaco. Um brilho sem brilho.

Há um momento em nossas vidas, nas vidas de todos nós, em que, sem delimitação, divisória ou fronteira, passamos a nos acostumar e aceitar o fato de sermos efêmeros. Somos criaturas tão transitórias e extinguíveis quanto os nossos sonhos. Os do sono ou os acordados, todos os que nunca mesmo chegam a acontecer na realidade. Somos finitos, e tudo bem. O triste mesmo é que sejamos tão breves.

E como pode, dada tanta brevidade, a singularidade de um único momento, de algumas poucas horas, ficar marcada com tanta intensidade ao longo dos anos? Acredito que somente tendo sido um sonho, um dos meus sonhos acordados que se fazem sempre presentes. Um sonho contínuo talvez, diferente daqueles que, quando se acorda repentinamente, ao tentar voltar a dormir para continuá-lo, perde-se para sempre...

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