Água é a essência da vida. E se certamente isso já foi falado por aí à exaustão, repetir não me parece ser problema nenhum. Afinal, praticamente tudo o que se escreve já foi escrito antes. Se bem que soube outro dia que a linguagem é tão múltipla que é bastante provável que uma frase qualquer que você profere no seu dia a dia nunca tenha sido proferida antes exatamente daquela maneira com exatamente aquela construção sintática.
Mesmo assim, mesmo que cada frase sua seja completamente inovadora, a essência do que se diz já foi dito. Quase tudo o que se escreve já foi escrito. Mas nem tudo aquilo que se sente já foi sentido. Um sentimento pode ser comparado a uma construção sintática completamente original, a essência dele pode já ter sido sentida, mas aquela construção específica é única. Assim também é a água. Mesmo que um lago seja água desde sempre, aquele filete, aquelas gotas específicas, aquele centímetro cúbico é completamente único.
Eu mesmo já falei sobre a água outras vezes. Vivo a água com frequência na minha vida, sinto a água. Essa criatura gigantesca e atraente que faz parte de nós mesmos, que ocupa nossos próprios corpos, que parece ter uma vida própria e se apossa também de todas as outras vidas, adentrando liquidamente os seus corpos.
Somos duas criaturinhas feitas de água. Dois seres de essência líquida em um mundo sólido. Duas gotas de chuva dançando em queda livre pelo espaço rumo ao solo. Dois sprinklers ligados com seus jatos entrelaçados no quintal em um dia quente de verão. Dois afluentes serpenteando pelo vale encontrando-se em forma de rio. Duas gotículas de névoa condensando-se em orvalho em uma frágil folhinha verde de grama.
Outro dia, soube da história do sujeito que morreu e acabou indo parar em uma fonte depois de vagar por aí. Ficou lá por um tempo e com a vivência acabou se tornando cada vez mais parecido com aquele meio e com as criaturas dali. Isso porque os seres desencarnados são muito mais adaptáveis com relação a sua forma física. Ele se tornou a água.
Todos podemos ser mais água. Mais adaptáveis, líquidos que ocupam os espaços vazios de qualquer recipiente. Fluir pelos caminhos construídos para as correntezas, para o fluxo. Todos podemos ser mais vida. Mais sentimento também, água é sensação. Mais únicos e originais, e sentir que aquilo que está sendo sentido tem uma essência completamente inovadora, mesmo que já tenha sido sentido à exaustão na história do mundo.
Nós dois, criaturinhas da água, chamamos a chuva, mesmo que sem querer. Nos liquefazemos em um abraço dessa sensação original. Em um momento de distração, percebemos que a tempestade nos observa com seu vento chicoteante, e não fugimos dela, não fugimos de água alguma. Somos a água e somos duas criaturinhas feitas de água com todo o sentimento que dela verte.
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