Escrever cartas de amor errando propositalmente o destinatário é uma ignomínia imperdoável. Uma falta desconcertante de tato e de devido respeito ao sentimento em si outorgado a quem quer que seja. Que todas as cartas de amor encontrem (fatalmente?) os seus destinatários, mas que sejam os destinatários corretos, os amantes de direito.
Eu sou uma tempestade no deserto. Sou aquele vento agitado trazendo aquelas nuvens carregadas, mas que nunca chovem. Nuvens negras em paisagem de céu apocalíptico. Areia em polvorosa. Se cada grão esculpido milimetricamente ao longo dos séculos por erosões contínuas fosse uma criatura viva, teríamos a mais linda revoada de todos os tempos.
Eu sou também o deserto regurgitando essa areia recebida há milênios, como uma ampulheta universal, regurgitando a mais linda das revoadas em direção aos céus. Se fôssemos criaturas dos céus, voando no abismo das nuvens, invejaríamos a estabilidade dos chãos. Como se dá o contrário, invejamos a liberdade das asas.
Amores perdidos podem nunca ser reencontrados. Nunca achados, nem no fundo das gavetas, sob documentos esquecidos, talões de cheque desutilizados, relicários abandonados, memorabília de coisas que mesmo nossa memória decidiu não arquivar. Nem lá no fundo do armário, do guarda-roupas, do guarda-armas, naquela blusa que já não serve mais há uma década, mas ficou ali, nunca aqueceu corações em campanhas invernais.
Nem lá no fundo do deserto, o amor perdido pode ser reencontrado. Odeio estar em corredores cujas paredes não podem ser alcançadas simultaneamente pelos meus braços estendidos. Quero ter tudo às minhas mãos, quero tocar o mundo, quero curar essa inveja das asas, e das estabilidades dos chãos também. Pois que depois de voar, de nunca reencontrar o que foi perdido, quero querer voltar. Voltar e perceber que no fundo daquele gaveta, no relicário abandonado, oras... eu não olhei direito. Estava ali.
Nenhum comentário:
Postar um comentário