sexta-feira, 9 de janeiro de 2015

Mercaos

As coisas andam bem demais, poderia dizer o otimista. Para o realista basta saber o que sempre se soube: que as coisas andam como sempre andaram, nem melhor nem pior. Seguindo todos os rumos de sempre, de eras geológicas ancestrais. De tempos e vidas que só conhecemos através das carcaças fossilizadas. As coisas andam, e vez por outra elas vão bem, ou mal.

Quando as coisas vão bem, vez por outra também, desejamos inconscientemente, subtilmente, que elas percam um pouco desse brilho resplandecente de coisas indo bem. Sim, desejamos a dor, a amargura, a ansiedade e a tristeza, a soturnidade e a depressão. Tantos substantivos femininos para designar sentimentos, não nos enganemos, extremamente universais. Mas desejamos isso, repito:, subtilmente, com esse B intruso do léxico de nosso idioma como utilizado além-mar. Desejamos sem perceber.

E então, em casos como esse, precisamos recorrer a um novo tipo de estabelecimento comercial: o Mercaos. O Mercaos é o lugar no qual é possível adquirir alguns daqueles sentimentos substantivos femininos e tão substanciais. Chegamos ao atendente, e solicitamos um quilo de caos, uma lata de desastre, uma unidade de infortúnio, um pacote de catástrofe, um fardo de transtorno, um litro de calamidade. E saímos do Mercaos com as sacolas estufadas e a consciência tranquila.

Todas as pessoas que frequentam o Mercaos muitas vezes acabam se tornando clientes fiéis. Voltam sempre. Querem mais. Precisam. Buscam essa forma de desestabilizarem a si próprias, mesmo quando o otimista diria que tudo anda bem demais. Oras, aqui temos um advérbio de intensidade talvez mal colocado. Se as coisas apenas andassem bem, não precisaríamos visitar o Mercaos. Mas aqui erramos de novo, apenas é pouco, bem é o suficiente. É preciso fazer com que as coisas andem enfim, nem demais nem apenas, nem otimista, nem como sempre se soube. E parar de visitar o Mercaos.

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