terça-feira, 7 de fevereiro de 2012

Go Back


Um dia o tempo parou, e então deixou de ser dia, já que dia nada mais é do que uma forma de mensurar o tempo, logo sem tempo sem dia, tudo ficou estático e as coisas deixaram de ser e de acontecer. Ninguém previu aquele momento chegando, pois o tempo nem mesmo começou a passar mais devagar, ele simplesmente parou de uma hora para a outra. Porém as pessoas sentiram aquilo, tinham consciência, sabiam que havia algo de errado, afinal como consequência imediata a Terra parou de girar! Os animais e tudo o mais que vivia também tinham consciência, ainda tinham uma espécie de livre arbítrio, podiam se mover e fazer o que quisessem, mas durante todos os instantes em que o tempo ficou parado todas as coisas animadas que se arriscaram a interagir com algumas determinadas coisas inanimadas, tocando-as ou coisa parecida, simplesmente desapareceram sem deixar vestígios, assim como os objetos interagidos. Explodiram em energia. Encontraram sua antimatéria.

Depois de vários instantes, que ninguém nunca soube dizer se duraram alguns segundos ou uma centena de séculos no que seriam as antigas contagens, o tempo voltou a correr, porém para trás. O tempo estava voltando. Claro que esses antes de parar foram os últimos tempos, afinal se alguém chega até o fim de uma viagem e começa a voltar, os últimos passos de sua viagem foram dados naquele ponto mais distante em que esteve. Teorias borbulhavam, claro que muita gente explodiu, mas alguns dos cientistas que sobreviveram tentavam explicar, era alguma tramoia do universo, taxa crítica de expansão, big crush, fim dos tempos, whatever. A razão da velocidade relativa a qual o tempo estava voltando era a mesma de quando ele ia para a frente, a Terra demorava 23 horas, 56 minutos e aqueles segundos lá para dar um reverse rotation completo.

O que importa é que ninguém queria saber de teorias, queriam explicações. Como previamente informado, as coisas vivas não foram diretamente afetadas, as árvores ainda cresciam e ninguém nunca morreu antes de nascer, mas a vida se tornou algo entre estranhíssima e inviável, afinal as coisas antes feitas se desfaziam, e as coisas antes desfeitas se refaziam. Muitos alimentos precisaram deixar de ser comidos, eram direta ou indiretamente coisas vivas também, ou que pelo menos um dia haviam experimentado a vida, mas ninguém nunca soube explicar porque só alguns explodiam os estômagos alheios. Adaptabilidade? Evolução das espécies?

A medicina não podia fazer muita coisa, nenhum médico se arriscava a bisturizear alguém, pois o objeto poderia derreter-se subitamente em suas mãos e voltar a ser matéria-prima. Nenhuma chapa de X-Ray foi tirada outra vez, pois as ondas faziam aleatoriamente o caminho contrário, em direção à máquina. Claro que ossos quebrados se recompunham, mas à mesma razão que antes, à razão que o corpo vivo conseguia suportar sem pinos derretendo em seu interior. Aliás todos que algum dia tiveram algo handmade substituindo qualquer coisa de natural, ou tornando algo supra natural, sentiram seus corpos queimando e incrementaram as estatísticas. Nada mais se decompôs, os vivos agentes decompositores ainda se alimentavam, mas os corpos mortos se recompunham.

Quando uma coisa viva nascia, e pela primeira vez respirava, sentia um ar mais limpo a cada segundo, as partículas de sujeira e poluição voltavam às chaminés, se refaziam ao fogo que queimava para trás, se refaziam em matéria sólida. Nenhum veículo automotor voltou a funcionar, nem mesmo os movidos a biodiesel, pois o bio do diesel já era tão sintético naqueles últimos tempos que deixava de ser bio. Se algum carro era ligado a energia desvirava fumaça, o combustível desvirava energia e voltava pro tanque, nada rodava.

As culturas se desescreviam, se despintavam, se desesculpiam, se desfilmavam, à mesma razão que eram antes criadas agora se descriavam. Ao princípio foram as contemporâneas, depois as modernistas, romancistas, e assim inversamente proporcionalmente cronologicamente por diante. As pessoas ainda aprendiam, mas o que havia para ser aprendido minguava, alguns séculos antes só sobrou a Byblos para ser lida. Os linguistas se viam envoltos em névoa, como afinal poderiam conjugar seus queridos verbos já tendo acontecido todas as coisas que ainda estavam por acontecer? As cores também se desfaziam, e tudo que em um momento qualquer foi pigmento de sapo voltou a ser pigmento, porém there was no sapo. Nada nunca ressuscitou.

Cacos de vidro de todo o mundo uniam-se novamente no que haviam um dia estado copo, janela, bailarina de vidro, ganso de enfeite e tudo o mais que algum acidente, imprudência ou distração desutilizou. Era um espetáculo ciclópico os cacos alçando vôo para os lugares de onde tinham caído e juntando-se peça a peça. Claro que, por estar revertorizado o tempo, os vidros logo se desfaziam em areia.

A engenharia também sofreu, prédios inteiros deixavam de haver, pareciam corpos sofrendo o que um dia havia sido conhecido por decomposição, que como previamente informado é um ato biológico já não mais existente nas novas configurações cronológicas, primeiro a melanina virava pigmento de sapo, depois o tecido epitelial voltava a ser cimento e água, ao mesmo tempo a camada subcutânea virava argila, os nervos e as veias voltavam ao petróleo que um dia os fizeram plástico, por fim sobrava só o esqueleto, mais resistente, mas que tarde ou cedo voltaria à terra. O verbo morar já não era preocupação linguística.

As calotas polares desderretiam, e as micro coisas vivas que fossem por ventura aprisionadas no processo de recongelamento explodiam em energia derretendo um pouquinho de gelo ao seu redor, que instantaneamente desderretia. E com isso Gaia vivia a mesma era glacial de outrora, tornando as vidas ainda mais difíceis, o que não explodia hipotermava. Quando por fim o último ser humano desapareceu das faces do planeta, não porquê havia a espécie um dia nascido, mas sim porquê estava ela destinada a morrer, qualquer que fosse a direção apontada pela seta do tempo, fechou-se um ciclo, porém o tempo continuou retilíneo uniforme.

O petróleo virava carcaça de dinossauro, a carcaça de dinossauro não virava dinossauro, e com isso se acumulava, juntando-se a todas as outras carcaças, visto que nada mais se decompunha. Por essas épocas também nada mais vivia além de algumas monocotiledôneas e dicotiledôneas resistentes ao tempo e aos tempos. Com efeito a entropia diminuía, nada se criava e nada se perdia, no entanto tudo se transformava com menos frequência. Os continentes voltaram a ser Pangeia, as águas se reaqueceram, a temperatura subiu e os vulcões engoliam lava. As terras emersas se desformavam, logo nem água mais houve, então o planeta rochoso virou stardust, depois o caminho de leite e por fim o universo. E tudo o que havia sido, por pelo menos duas vezes a mesma coisa, nesse instante nada mais era do que Big Bang.

E então o tempo voltou a correr para a frente.

Um comentário: