segunda-feira, 6 de abril de 2015

Nuvens

Imagine ser mais leve que o ar. Imagine flutuar. Imagine não ter essa constituição física de forma constante. Imagine viajar no azul distante.

No abismo acima da Terra, a imensidão se expande infinita para todos os lados. Mas antes dos confins mais distantes, pairam sobre nossas cabeças essas massas gasosas disformes, brancas e singelas, assustadoras as vezes. Imagine ser um avião, e cruzar essas formas, arrebentá-las e espalhá-las como um valente leão selvagem espalha a manada de zebras na savana. Mas isso não é voar, não se voa sentado confortavelmente dentro de uma caixa de alumínio.

Para voar, é necessário ser mais leve que o ar. Se desprender das amarras terrenas, dos laços intransponíveis que nos prendem ao chão. Quebrar barreiras invisíveis, constituídas de nitrogênio, oxigênio, argônio e gás carbônico. E subir. E depois, talvez até chover, cair e voltar ao curso de antigos rios. Mas ser, enquanto se puder ser, enquanto se puder escolher, ser uma nuvem. E pairar. E flutuar.

Ao subir, e subidos, destacamos sombras de nosso corpos disformes. Somos fumaça, estamos em tudo que é gasoso, e à temperatura certa, tudo é gasoso, tudo flutua ou pode flutuar. Nossa sombra atirada sobre a terra é um vestígio comprobatório de que somos coisas físicas. Voar não é sonhar, é palpável. E chovemos. Talvez seja isso o que de mais belo fazemos. Voar e chover. Cair em deságues, em vertentes, em pluvianices. Toda queda livre é uma vida inteira por si só.

Cobrimos as Luas. Cobrimos os Sóis. Durante o dia, refletimos luz. A noite, somos invisíveis no breu. Mas mesmo não visíveis, cobrimos outras luzes. Por onde anda a minha estrela? Onde está aquela bela Lua? Ainda está lá, com sua auréola argêntea, mas não é vista por trás das nuvens. Tudo o que está por trás dela, no espaço infindável, não é visto por trás das invisíveis nuvens noturnas.

Quando somos nuvens, o céu inteiro é pouco. O mundo inteiro é pouco também. A vida inteira é pouco. Voamos, flutuamos, pairamos no ar, vendo o mundo lá de cima. É tão bom ser nuvem. É tão bom ser leve. É tão bom voar.

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