sexta-feira, 12 de setembro de 2014

Desamar

Um dia desses, a Rosa Púrpura sentenciou que uma das maiores loucuras que um ser humano pode cometer é escolher deliberadamente amar, que criatura nenhuma deveria fazer isso em sã consciência. O amor só tem, segundo esse ponto de vista, efeitos negativos a longo prazo, e o bem que ele faz nunca seria real. É um pensamento que questiona pontos como a inabilidade para não-relacionamentos, e o triste medo das solidões que as pessoas carregam consigo exatamente quando estão sozinhas. Pensamento que sai de ventrículos e átrios calejados, ignorando a autonomia da sensatez lógica.

Ela disse também, em outros tempos, que minha sina se configura claramente em uma vida solitária, desprovida de alcateia, feita de caminhares em florestas cobertas de frias neblinas pela manhã, onde minhas pegadas ficariam marcadas na neve apenas pelo tempo necessário para não serem seguidas. Em outros tempos já disse eu que, oras!, aceito esse destino... O que temos a fazer além de aceitá-lo? Lutar contra ele é de uma nobreza admirável, e isso fazemos. Porém, há lutas que não foram feitas para a vitória.

O grande segredo para lutar quando a derrota é inevitável, é não lamentá-la quando ela fatalmente vem. Sentar-se inconsolável sobre o campo outrora florido, coberto agora de sangue da batalha, não vai mudar a sina pré-determinada e antecipadamente conhecida. Perdemos muito mais do que ganhamos, o mundo é muito mais feito de não do que de sim.

Há corações espalhados por aí que carregam consigo fardos pouco pesados, outros não levam nenhum. Contudo, todo músculo cardíaco possui seu próprio limite de peso, tal qual os elevadores que não levam mais do que oito pessoas, ou 560 quilos. É claro que, em último caso, eles levam sim além dessa quantidade, o problema é que isso não é seguro, e vai causando um mau funcionamento com o excesso constante. Acredito que os corações que carregam os maiores fardos são aqueles elevadores de serviço, capazes também de carregar consigo até 16 pessoas. Toda quantidade é abstrata, que claro fique, apenas nossos corações não são corações de mãe.

Em todos os casos, há batalhas e batalhas, lutas e lutas, guerras e guerras. E a maioria delas sequer foi feita para ser travada. No entanto, há uma coisa, acima de todas as outras, que a criatura solitária que uiva para a Lua nunca entenderá em sua perene existência: escolher desamar. Afinal, como é possível que duas existências que entram em confluência trazendo benesses mútuas podem decidir deliberadamente, em um momento qualquer, por se afastarem? Se o bem que ele faz é real, por que escolher não mantê-lo?

Mas o quê?!, isso é que está certo. Sim, está. O bem por si só não basta. Não nos contentamos com o suficiente, queremos a floresta toda quando temos uma árvore. E até que está realmente certo, mesmo sendo absurdo. Escolher deliberadamente amar pode ser uma loucura, praticada por criaturas insanas; no entanto, escolher deliberadamente desamar é uma loucura muito maior. Uma loucura que criatura nenhuma em sã consciência deveria cometer.

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