Odeio essa inquietude e essa angústia, porém não consigo viver sem elas. Acho que é assim que as pessoas são, odiando o que são e o que fazem, mas nunca se livrando disso, porque se livrar disso seria se livrar delas mesmas, e tenho a impressão que isso ninguém quer, ao menos não conscientemente.
O câncer talvez seja a melhor das doenças, pois ele faz com que as pessoas se livrem delas mesmas. O amor é como um câncer, uma deformação nas células, uma mutação, que faz com que elas se multipliquem descontroladamente. O amor talvez seja a melhor das doenças. Ele faz com que as pessoas se livrem delas mesmas, criando universos paralelos de mundos fantásticos, onde a tendência de tudo é dar certo. Repito, tendência.
Mas a paixão platônica talvez seja uma doença ainda pior, ou melhor dependendo do ponto de vista, pois para ela não há remédio. Pensamento polifásico é placebo, projeção do sentimento adquirido na musa é placebo, a própria imaginação é placebo. Mas lindas mesmo são as paixões platônicas que duram algumas horas apenas. Dentro do ônibus as vezes, uma vez por dia. Ou numa festa.
Cachorros de rua estão sempre em festas. Conglomerados de selvageria em meio à selva urbana de civilidade. Agora, quem saberá dizer qual animal é o mais selvagem? Se você levar um cachorro de rua para casa, tratar, dar banho e alimento, cuidar com carinho; não importa, ele vai pular o portão e fugir, cheirar cus por aí e rolar na terra, e por fim pegar sarna. É o que eles fazem, e é o que nós fazemos. Uma vez cachorro de rua, para sempre cachorro de rua.
Na rua também há câncer, e talvez também haja amor... Talvez o próprio câncer ame. Oras, por que não? Talvez ele sinta uma espécie de amor autodestrutivo pelas células que ele mesmo cria, talvez ele até faça isso porque ama demais. Porque, afinal, o amor é de fato uma das melhores doenças. E é também autodestrutivo.
Meu colchão melhorou, o emprego melhorou. Mas melhorar nada mais é do que apenas ficar menos pior. Quem sabe se assim o amor também melhore, ou despiore. E também essa paixão platônica de festa, com uma pitada de câncer. Por isso tudo quero morrer cachorro de rua. Quero morrer numa festa.
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