sexta-feira, 20 de setembro de 2013

Fumaça

Nunca precisei conversar com ela. Ficava lá açoitando a noite com sua alma, no meio da fumaça que pairava no ar rejeitando as ordens de "deixem o recinto", e vejam bem: não demora muito para que venha a aurora.

Me pediram para escrever uma crônica, creio que todos os escreveres são crônicas, pois que escrever é uma doença crônica. Já fiz poesias com essa palavra, poesias de amor, hoje a rejeito e a amo ao mesmo tempo, e assim o é com todas as palavras para quem as usa por demais. No fim, o que escrevi não era crônica, talvez fosse algo mais.

Naqueles olhos escondidos, abaixo de uma franja desconexa, profundos e ainda assim desérticos. Como um oásis ao contrário, uma ilha de absoluto nada em meio à bela e controversa totalidade do mundo exterior. São apenas observações distantes, de um olhar que nunca chega a perfurar.

Nunca mesmo cheguei a conversar com ela. Mas acho até que esse tipo de coisa nem mesmo é necessário, um oásis misterioso é sempre mais belo. As palavras nunca são suficientes, e não sabem mesmo como ser utilizadas. A fumaça desce, começa a rastejar pelo chão sujo, atinge os buracos por onde os ratos costumam carregar suas presas, sejam elas vegetais ou animais. Atinge os becos e os cantos escuros e obscuros. Atinge cada centímetro quadrado de tudo ou de nada. Atinge os olhos profundos e desérticos.

Isso não é, então, uma crônica, e não é sobre ela. Até porque ela nem mesmo existe mais, em sua imperfeição de fumaça. Não é, então, uma escolha que se faça, apesar de que pode haver uma não-escolha, que se obrigue a fazer. É apenas um escrever como tantos escreveres, profundo ou desconexo.

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